quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Século 21 Pode Trazer o Fim da Administração Moderna

Alan Murray, The Wall Street Journal - Jornal Valor Econômico
23/08/2010

O guru de empresas Peter Drucker chamava a administração de "a inovação mais importante do século XX." O elogio se justificava. Técnicas para tocar empresas grandes - criadas por homens como Alfred Sloan da General Motors e refinadas em um bando de faculdades de administração de elite - ajudaram a embalar um século de prosperidade global sem precedentes.
Mas esta grande inovação do século XX conseguirá sobreviver e vingar no século XXI? As evidências sugerem que provavelmente não. A administração "moderna" está próxima de uma crise existencial.
Companhias cujos líderes se diziam defensores do livre mercado foram na verdade criadas para sabotar esse mercado. Essas empresas também foram uma resposta ao desafio de organizar milhares de pessoas em locais diferentes com habilidades distintas para desempenhar tarefas grandes e complexas, como fabricar automóveis ou disponibilizar telefonia para um país inteiro.
No mundo relativamente simples de 1776, quando Adam Smith escreveu o clássico "A Riqueza das Nações", o interesse iluminado de pessoas fazendo contratos individuais entre elas era suficiente para garantir o progresso econômico. Mas cem anos depois, a revolução industrial fez a visão de Smith parecer antiquada. Um novo meio de organizar pessoal e alocar recursos para tarefas mais complicadas era necessário. Daí o advento da empresa administrada - uma resposta ao problema central da era industrial.
Nos cem anos seguintes, a corporação serviu seu propósito. De Henry Ford a Harold Geneen, os grandes administradores de empresas do século XX impulsionaram a ascensão de uma vasta classe média global, oferecendo tanto os meios financeiros como os bens e serviços que trouxeram o que era luxo às massas.
Em anos recentes, contudo, a maioria das grandes histórias de gestão não foi de triunfos das corporações, mas sim sobre as corporações. Jack Welch, da General Electric, pode ter sido o último dos grandes construtores de corporações. Mas mesmo ele ficou famoso por declarar guerra à burocracia. Outros ícones de gestão de décadas recentes criaram suas reputações atacando culturas corporativas arraigadas, desviando de hierarquias corporativas, prejudicando estruturas corporativas e em geral usando táticas revolucionárias num esforço desesperado para fazer com que gigantes se mexessem. Os melhores gestores se tornaram, de certa forma, inimigos da corporação.
As razões para isso são claras. As corporações são burocracias e os gestores são burocratas. A tendência fundamental delas é se perpetuar. Quase que por definição, elas são resistentes a mudança. Elas foram criadas e estruturadas não para consolidar as forças de mercado, mas para substituir e até resistir ao mercado.
Ainda assim, forças colossais de mercado - rápida globalização, inovação acelerada e competição incessante - intensificaram o que o economista Joseph Schumpeter chamou de forças da "destruição criativa". Instituições com décadas de existência como Lehman Brothers e Bear Stearns agora podem desaparecer do dia para a noite, enquanto empresas como Google e Twitter podem surgir do nada. Um vídeo bastante acessado na internet captura a natureza geométrica dessas tendências, ressaltando que levou 38 anos para o rádio e 13 anos para a televisão atingirem audiências de 50 milhões de pessoas, mas apenas quatro anos para a internet, três anos para o iPod e dois anos para o Facebook fazerem o mesmo.
Nem mesmo as empresas mais bem gerenciadas estão protegidas do embate destrutivo entre o turbilhão da mudança e a inércia corporativa. Quando perguntei a integrantes do CEO Council do The Wall Street Journal - um grupo de presidentes de empresas que se encontra todo ano para deliberar sobre questões de interesse público - qual era o livro de negócios mais influente que já haviam lido, muitos citaram "Dilema da Inovação", de Clayton Christensen. Esse livro documenta como empresas líderes em seus mercados deixaram passar transformações que mudaram o jogo em setor após setor - como no caso de computadores (mainframes para PCs), telefonia (fixa para celular), fotografia (filme para digital), bolsa de valores (pregão para on-line) - não por causa de gestão "ruim", mas porque seguiram as diretrizes da "boa" gestão. Elas escutaram seus clientes. Elas estudaram as tendências de mercado. Elas alocaram capital para inovações que prometiam o maior retorno. E no processo, deixaram passar inovações perturbadoras que criaram novos clientes e mercados para produtos de margem menor e com enorme apelo.
A fraqueza das companhias em lidar com mudança acelerada é só metade do ataque duplo a noções tradicionais de gestão empresarial. A outra metade vem da corrosão da justificativa fundamental para a própria existência das corporações.
O economista britânico Ronald Coase apresentou a lógica básica da corporação administrada em seu livro de 1937 "The Nature of the Firm". Ele argumentou que as corporações eram necessárias por causa do que ele chamou de "custos de transação". Era simplesmente complicado e caro demais procurar e encontrar o trabalhador certo no momento certo para determinada tarefa, ou procurar insumos, renegociar preços, policiar o desempenho e proteger segredos comerciais num mercado aberto. A corporação podia não ser tão boa em alocar trabalho e capital quanto o mercado, mas compensava essas fraquezas ao reduzir custos de transação.
Coase recebeu seu Prêmio Nobel em 1991 - a aurora da era da internet. Desde então, a capacidade de seres humanos em continentes diferentes com interesses e habilidades diferentes de trabalhar em conjunto e coordenar tarefas complexas deu saltos gigantescos. Empreitadas complicadas, como manter a Wikipedia ou construir o sistema operacional Linux, agora podem ser tocadas com pouca ou nenhuma estrutura gerencial.
Isso levou alguns partidários da utopia, como Don Tapscott e Anthony Williams, autores do livro "Wikinomics" a prever a ascensão da "colaboração em massa" como a nova maneira de organização econômica. Eles acreditam que hierarquias corporativas vão desaparecer, já que indivíduos conseguem trabalhar juntos na criação de "uma nova era (...) ao par com a renascença italiana ou o surgimento da democracia ateniense."
É algo ambicioso, provavelmente exagerado. Até mesmo os mais sonhadores entusiastas de tecnologia têm dificuldade em visualizar, por exemplo, a construção de um Boeing 787 via "colaboração em massa". Ainda assim, as tendências são grandes e inegáveis. O ritmo da mudança está se acelerando. Os custos de transação estão diminuindo rapidamente. E como resultado, tudo o que aprendemos no século passado sobre gestão de grandes corporações requer séria reconsideração. Temos tanto a necessidade quanto a oportunidade de elaborar uma nova forma de organização econômica e uma nova ciência de administração que possa lidar com a realidade estonteante das mudanças no século XXI.
O consultor de estratégia Gary Hamel é um defensor de ponta da reconsideração do gerenciamento. Ele está construindo um "laboratório" de gestão on-line onde líderes na prática e na teoria de gestão podem trabalhar juntos - uma forma de colaboração em massa - em ideias inovadoras para lidar com desafios modernos de administração.
E como serão os substitutos das corporações? Nem Hamel tem a resposta. "O que limita a gente", ele admite, "é que somos extremamente familiarizados com o modelo antigo, mas o novo modelo, ainda nem vimos".
Pelo menos isto está claro: o novo modelo será mais parecido com o mercado, e menos com as corporações do passado. Precisará ser mais flexível, ágil, adaptável a mudanças no mercado e implacável na alocação de recursos a novas oportunidades.
A alocação de recursos será um dos maiores desafios. A beleza dos mercados é que, com o tempo, eles tendem a garantir que pessoas e dinheiro sejam empregados nos empreendimentos de maior valor. Nas corporações, as decisões sobre a alocação de recursos são tomadas por pessoas com interesse em manter o status quo. "A principal razão pela qual empresas fracassam", diz Hamel, "é que elas investem demais no que já é, e não no que pode ser".
Esse é o núcleo do dilema do inovador. Empresas grandes estudadas por Christensen fracassaram não necessariamente porque não enxergaram as inovações que estavam chegando, mas porque não conseguiram investir adequadamente nessas inovações. Para evitar esse problema, as pessoas que controlam grandes quantias de dinheiro precisam agir mais como investidores de capital de risco e menos como departamentos financeiros. Elas precisam fazer diversas apostas - não apenas um punhado de grandes apostas - e estar dispostas a abandonar o barco para minimizar o prejuízo.
Além da alocação de recursos, existe o desafio ainda maior de criar estruturas que motivem e inspirem trabalhadores. Há evidências de sobra de que a maioria dos trabalhadores nas organizações complexas da atualidade simplesmente não está envolvida com o próprio trabalho. Muitos são como Jim Halpert, da série de TV "The Office", que na primeira temporada declarou: "Isto é só um emprego (...) Se fosse minha carreira, eu teria me atirado na frente de um trem".
O novo modelo terá de inspirar nos trabalhadores o tipo de empenho, criatividade e espírito inovador que se vê geralmente em empreendedores. O modelo terá de empurrar poder e capacidade de decisão o mais para baixo possível na pirâmide, em vez de concentrá-los no topo. Estruturas burocráticas tradicionais terão de ser substituídas por algo mais parecido com equipes de missão específica, que se juntam para lidar com determinados projetos e depois se dispersam. A SAS Institute Inc., empresa de software de capital fechado no Estado americano da Carolina do Norte que investe pesadamente em pesquisa e desenvolvimento e também em benefícios aos empregados - desde assistência médica gratuita no local de trabalho e apoio a idosos até massagens - é frequentemente citada como uma das companhias que podem estar abrindo o caminho. A empresa é reconhecida tanto por ser uma fonte de produtos inovadores quanto um bom lugar para se trabalhar.
A coleta de informações também precisa ser mais ampla e inclusiva. A exigência do ex-diretor-presidente da Procter & Gamble A.G. Lafley de que a empresa trouxesse ideias de produto de fora - em vez de desenvolvê-las todas internamente - foi um passo nessa direção. (Existe até um website para onde enviar ideias.) O novo modelo terá de ir além. Novos mecanismos terão de ser criados para controlar "a sabedoria das multidões". Circuitos de feedback terão de ser construídos para que produtos e serviços evoluam constantemente em resposta a novas informações. Mudança, inovação, adaptabilidade precisam se tornar as ordens do dia.
A corporação do século XX pode evoluir para essa nova organização do século XXI? Não vai ser fácil. O "dilema da inovação" se aplica tanto à gestão quanto à tecnologia. Mas é chegada a hora de descobrir. Os métodos antigos não vão durar muito.

Adaptado do livro "The Wall Street Journal Essential Guide to Management", de Alan Murray. Copyright 2010 da Dow Jones & Co. Publicado pela Harper Business, da editora HarperCollins Publishers.

domingo, 22 de agosto de 2010

Além do Código Florestal

André Meloni Nassar - O Estado de S. Paulo
18 de agosto de 2010 0h 00

Não interessando de que lado do debate da reforma do Código Florestal se está, pelo menos um consenso existe entre os interessados no assunto: tanto o código vigente quanto o novo, em discussão no Congresso Nacional, carecem de ciência que dê suporte às obrigações impostas sobre o setor produtivo. Já passou da hora de deixar os argumentos emotivos de lado - do tipo "coitados dos produtores de café do sul de Minas Gerais, porque agora todos eles são bandidos" e "coitados dos cientistas bonzinhos que ficaram alijados do processo de discussão da reforma porque nem sequer foram consultados" - e partir para um debate com base mais fatos do que em crenças, no qual as segundas intenções "saem do armário".


Do argumento retórico de que agropecuária e meio ambiente podem conviver em harmonia num mundo ideal, como propagado pelo Talking Heads em (Nothing but) Flowers, é preciso reconhecer que o equilíbrio entre produção agropecuária e conservação resulta de um choque de concessões de ambos os lados.

Os dois grandes temas que sustentam a discussão da reforma do Código Florestal são o chamado "passivo ambiental" e o controle do desmatamento. A regra de bolso é que o passivo precisa ser resolvido - lembrando que não há como definir, preto no branco, quais produtores atuais são responsáveis diretos por ele, embora saibamos que muitos deles são e outros tantos, não - sem estimular avanço na fronteira. Melhor dizendo, orientando o avanço na fronteira nas regiões onde isso faz sentido, mas com taxas de conversão muito menores do que as vistas no Brasil nos anos passados. É preciso que se diga que resolver o passivo não significa isentar os produtores das suas obrigações com a reserva legal e, sobretudo, com as áreas de preservação permanente (APPs), tampouco estipular desmatamento zero em todos os biomas, mesmo que apenas para um período de cinco anos.

Um argumento-chave utilizado no debate é o da disponibilidade de terra. De um lado, argumenta-se que o cumprimento ao pé de letra do código reduziria a área disponível para produção agropecuária. De outro, que a expansão da agricultura pode ocorrer integralmente sobre pastagens sem a necessidade de incorporação de novas áreas na fronteira. O primeiro argumento está errado e o segundo é retórico.

Feitos a partir de uma metodologia consistente e baseada no que se tem de melhor em tratamento de dados em sistemas de informação geográfica no Brasil, dados do professor Gerd Sparoveck me permitem concluir que ainda existem cerca de 36 milhões de hectares, sendo 68% (25 milhões de ha) nos Cerrados de Maranhão, Piauí, Tocantins, Bahia e Centro-Oeste, disponíveis para expansão do setor agrícola. Esse montante assume que as novas áreas a serem abertas respeitarão reserva legal e APPs e que estão localizadas em áreas com condições de declividade, solo e clima boas ou ótimas para a produção de grãos. Sem considerar as condições de aptidão, a disponibilidade pula para 79 milhões de hectares (51 milhões nos Cerrados).

Considerando que na mata atlântica já é proibido desmatar e que um pacto pelo desmatamento zero no bioma Amazônia tem grandes chances de ser viabilizado, a área disponível para expansão é de 25 milhões de hectares, sendo a diferença em relação àqueles 79 milhões hectares a área que não faz sentido desmatar. O professor Gerd estima em 88 milhões de hectares o passivo, sendo metade de reserva legal e a outra metade em APPs.

O Brasil deve abrir mão dos 25 milhões de hectares de Cerrado com uma moratória contra o desmatamento? Não. O Brasil vai gastar todo esse estoque de terra aumentando produção agrícola? Se depender do mercado, também não.

Os dados do laboratório de sensoriamento remoto da Universidade Federal de Goiás (Lapig) indicam que o desmatamento médio anual dos Cerrados entre 2002 e 2007 foi de 551 mil hectares. Ou seja, para usar os 25 milhões de hectares no ritmo atual de expansão da fronteira - estou assumindo que todo o desmatamento dos Cerrados avaliado pelo Lapig foi fruto da expansão de grãos, em maior parte, e pastagens, em menor parte - serão necessários 45 anos.

No futuro, no entanto, podemos esperar um ritmo de desmatamento inferior ao observado nos anos anteriores e, por consequência, maior crescimento de lavouras sobre pastagens. Não só porque a fiscalização está cada vez mais forte, mas também porque novas restrições serão impostas. Nesse sentido, no contexto do Estudo de Baixo Carbono para o Brasil coordenado pelo Banco Mundial, fizemos, no Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), uma projeção para a expansão do setor agrícola no País até 2030. Grãos, cana-de-açúcar e florestas plantadas vão necessitar de mais 14,9 milhões de hectares, sendo que as pastagens acomodarão cerca de 10 milhões. A diferença, 4,9 milhões, ocorrerá pela conversão de áreas de Cerrados. Dado que as projeções são de 2008 a 2030, estamos falando de um desmatamento anual médio de 200 mil hectares. Se o futuro for como estamos imaginando, precisaremos de 126 anos para "gastar" todo o Cerrado apto para produção agrícola com uma taxa de expansão deste setor que atende à crescente demanda mundial. Considerando os 51 milhões de hectares de Cerrado disponíveis, precisaremos de 3,5 gerações para usar toda a área disponível.


A verdade é que o setor agrícola e os benefícios que ele traz para a sociedade brasileira e os consumidores mundiais vão além da discussão da reforma e até mesmo da existência do Código Florestal. Por razões de mercado, grande parte da expansão das lavouras vai ocorrer sobre as pastagens, promovendo a intensificação da pecuária propalada por todos os interessados no tema do Código Florestal. Manter a competitividade da agricultura de grãos do Brasil, no entanto, passa pelo uso inteligente das áreas de Cerrado, condição quase que exclusiva do Brasil no mundo. Temos 126 anos para administrar isso.

DIRETOR-GERAL DO ICONE. E-MAIL: AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BR




sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Pecuária e Sustentabilidade

Valor Econômico > Impresso > Opinião

Nenhum outro segmento da sociedade tem desafio igual ao do pecuarista brasileiro.
O paradoxo da FAO: pecuária e sustentabilidade

Nelson Pineda
12/08/2010

O pecuarista brasileiro será responsável pelo fornecimento global da carne bovina para a humanidade em 2050, Adi Leite/Valor


A Food and Agriculture Organization (FAO) estima que a oferta de carnes terá que ser elevada de 200 milhões de toneladas para 470 milhões de toneladas em 2050, e que 72% da produção de carnes do mundo serão consumidos pelos países em desenvolvimento.

O Brasil é a última fronteira agropecuária do mundo. Tem território, água e tecnologia e pode enfrentar o imenso desafio de maximizar a produtividade com custos acessíveis à população mundial, sem esquecer da segurança alimentar e de não comprometer o ecossistema, minimizando o impacto ambiental, gerando bem-estar social dentro de padrões de conforto animal e garantindo retorno econômico para a atividade. Nenhum outro segmento da sociedade brasileira tem desafio comparável de produzir carne sem comprometer as necessidades das gerações futuras.

A FAO sugeriu recentemente taxar a pecuária brasileira e alerta que a elevação constante da produção animal se traduz em enormes pressões sobre a saúde dos ecossistemas, a biodiversidade, os recursos em terras e florestas e na qualidade da água, além de contribuir de maneira significativa para o aquecimento do planeta. Quem vai, porém, atender à demanda mundial de carne bovina?

Estamos diante de um paradoxo. Mas será que os bovinos são os verdadeiros vilões desta história, os únicos culpados? Será que o bovino brasileiro é o grande responsável pela emissão de gás metano no Brasil? Quais são as outras fontes de emissão?

Dos vários gases do efeito estufa, a agricultura e a pecuária contribuem de forma significativa com a emissão de três deles: carbônico, metano e óxido nitroso. A emissão desses gases é proveniente, principalmente, da fermentação entérica de ruminantes, do tratamento anaeróbico de resíduos de animais, do cultivo de arroz irrigado por inundação, de queimadas e desmatamento, do uso de fertilizantes nitrogenados, da fixação biológica do nitrogênio e da adição ou depósito de dejetos animais no solo. Mas, esquecemos dos grandes aterros sanitários nas megacidades, dos pântanos, dos mangues, dos rios Tietê e Pinheiros, dos outros ruminantes, do porco, do frango, do nosso bicho de estimação e de nós mesmos.

É necessário admitir que a pecuária brasileira gera metano, com um rebanho de 185 milhões de cabeças. Dados divulgados em 2005 reportaram que a fermentação entérica do rúmen dos bovinos em 2005 foi responsável por 12% de todas emissões de GEE do Brasil e 53% dos gases emitidos por sistemas agropecuários. Mas o valor definitivo desses dados precisa ainda de confirmações e de estudos mais aprofundados levando em consideração sistemas de produção e sazonalidade da pecuária brasileira.

Dados também publicados pela FAO em 2008 mostram que a concentração de metano na atmosfera apresentava uma estabilização entre os anos 1996 e 2006, enquanto que no mesmo período a população de ruminantes aumentava no mundo. Não se trata de evitar a discussão e sim, de colocar na luz de dados com comprovação irrefutável a verdadeira contribuição dos bovinos brasileiros ao efeito estufa e de traçar estratégias de manejo nutricional, uso de aditivos e a própria seleção de animais menos poluentes.

Os números que se atribuem a nossa pecuária em grande parte são provenientes de técnicas de modelagem e de projeções feitas sobre pesquisa ainda com numero restrito de animais pelas dificuldades operacionais desse tipo de medição. A própria Embrapa em 2006 relatou a escassez e indisponibilidade de dados necessários à caracterização das populações de gado como distribuição por categoria, pesos vivos e consumo entre outros e relatam a incerteza significativa na estimativa de emissões dos relatórios publicados. Ainda ressalta a necessidade de efetuar estimativas em um nível de maior detalhamento, estratificando-se as categorias e sub populações de bovinos de acordo com os sistemas de produção praticados nas diferentes regiões do país, a fim de relacionar informações zootécnicas com componentes socioeconômicos.

Apesar do impacto da pecuária na emissão de metano, a principal atividade emissora de GEE é a conversão de áreas de florestas em sistemas agropecuários com o desmatamento e a queima do material lenhoso, representando 52% das emissões brasileiras, sendo, em grande parte, atribuídas à pecuária de corte para a implantação de pastagens. A verdadeira pecuária empresarial e sustentável não precisa desmatar para dobrar a produção de carne no Brasil. Precisa sim de aplicação de tecnologia, de delineamento de políticas publicas e de recursos na base produtiva, como aqueles feitos pelo BNDES na indústria frigorífica que hoje existem no papel, mas de enorme dificuldade de obtenção impostas pelos agentes financeiros.

Diversos estudos têm demonstrado o potencial benéfico das pastagens em acumular carbono no solo por meio da matéria orgânica chegando a ser igual ou superior ao que acontece na vegetação nativa. Entretanto, a maioria dos estudos relacionados às emissões de gases não considera esse potencial significativo, sendo que o Brasil possui aproximadamente 173 milhões de hectares de terra sob pastagem. Mesmo considerando as degradações existentes, uma parte delas bem manejadas, tem um efeito positivo que precisa ser considerado no balanço final como fator de mitigação da emissão do metano pelo bovino.

Diante das perspectivas mundiais, o Brasil é o único país com possibilidades reais de aumentar a produção mundial de carne bovina. Nessas projeções de cenários, o pecuarista brasileiro será responsável pelo fornecimento global da carne bovina para a humanidade em 2050. Nenhum outro segmento da sociedade tem esse desafio: produzir carne com segurança alimentar, a baixo custo e compatível com a exigência mundial de sustentabilidade. Podemos afirmar que temos caminhos a serem trilhados com inovações tecnológicas e conhecimentos sendo gerados e que temos respostas consistentes para atender à exigência de colocar a pecuária brasileira na vertente da sustentabilidade.

Nelson Pineda é pecuarista nos estados de São Paulo e Bahia e membro da Câmara Setorial das Carnes do Estado da Bahia.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Carta de Curitiba - Alterações do Código Florestal

CARTA DE CURITIBA – ALTERAÇÕES DO CÓDIGO FLORESTAL


Tenho visto no SBEF News muitos artigos contrários as mudanças do Código Florestal. Todo evento onde é apregoada a destruição do meio ambiente por causa da revisão do Código, acusação feita geralmente sem suporte científico, é amplamente divulgado.
Nada contra a diversidade de opiniões.
Vou anexar abaixo a Carta de Curitiba, aprovada por cerca de 200 participantes do Seminário Gestão Sociotecnológica em Meio Ambiente, encontro promovido pelo Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico - FMASE e pelo Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento - Lactec.
Vários Engenheiros Florestais participaram da organização e das mesas do evento.
Vale a pena ler as ponderadas conclusões sobre as mudanças propostas pelo Dep. Aldo Rebelo.

Enio Fonseca
Engº Florestal- Ex Presidente da SMEF

CARTA DE CURITIBA
Durante a realização do Seminário Gestão Sociotecnológica em Meio Ambiente, encontro promovido pelo Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico - FMASE e pelo Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento - Lactec em Curitiba, Estado do Paraná, em 30 de julho de 2010, as entidades participantes redigiram o presente documento, que representa os entendimentos manifestados pelos participantes.
Esta primeira edição do Seminário teve como tema central a reforma do Código Florestal Brasileiro e suas consequências ao setor produtivo do País, em especial a geração de energia hidrelétrica, a indústria e o agronegócio. Especialistas abordaram o assunto sob os aspectos sociais, políticos, legais, científicos e técnicos, em que se destacaram os seguintes pontos:

i. A legislação ambiental vigente, na qual o Código Florestal Brasileiro se inclui, é numerosa (cerca de 16.000 diplomas, atualmente), esparsa e desatualizada em virtude da alteração de processos produtivos e de desenvolvimento ocorrido nos últimos anos. Além do quê, o Código Florestal de 1965 é anterior à Constituição vigente (1988), podendo ser considerado inconstitucional, pois o atual art. 24 permite que a união, estados e municípios legislem sobre matéria ambiental. Esses dois aspectos remetem à necessidade de revisão do Código Florestal com base em conceitos técnicos e científicos de sustentabilidade.

ii. Nesse sentido, a proposta de revisão do Código Florestal buscou equilibrar o sistema de produção com o sistema de preservação e conservação ambiental, ao mesmo tempo deixando para trás um modelo reativo e se adotando um modelo proativo.

iii. O trabalho conduzido pela Comissão Especial, com destaque para o relator Dep. Aldo Rebelo, inovou ao permitir que todos os segmentos se manifestassem em 64 audiências públicas e inúmeras reuniões com técnicos dos diversos segmentos envolvidos na busca de torná-lo realmente aplicável sob o aspecto da legalidade.

iv. Não se pode negar que a sociedade como um todo não conhece a legislação ambiental, mas sabe a importância de proteger o meio ambiente. Como exemplo, podemos citar o produtor rural, que instintivamente protege as nascentes, as margens dos rios e parte das matas nativas de suas propriedades.

v. O novo Código deve considerar as potencialidades e fragilidades ambientais de cada região e bioma brasileiro, bem como os usos já estabelecidos, e buscar a sustentabilidade deles. Para tanto deve ser utilizada a ciência, por meio de estudos que determinarão parâmetros técnicos. Esta é a forma mais adequada para se definir, por exemplo, as áreas de preservação permanente (APPs) — política se alega, ciência se comprova.

vi. A proposta de revisão tem o grande mérito de quebrar o paradigma, retirando a discussão do foco ideológico, doutrinário e político, e trazendo para o foco técnico e científico.

vii. Da mesma forma a revisão do Código teve o mérito de trazer para o debate a inteligência nacional que, por ter sido em muito financiada pela sociedade, deve estar à disposição desta e, particularmente, do legislador, para que o resultado seja efetivo. Assim, é fundamental utilizar a ciência para que ela faça parte do processo legislativo.

viii. Dentro do exposto, a revisão do arcabouço legal deve:
- Definir metas ambientais integradas
- Criar instrumentos adequados
- Esclarecer as competências
- Normatizar licenciamentos
- Aparelhar órgãos do Sinama (Sistema Nacional do Meio Ambiente)
- Capacitar agentes
- Prestigiar a ciência
- Respeitar a história e a cultura
- Dividir o ônus ambiental (entre campo e cidade)
- Destinar recursos de forma adequada (não existe uma política definida de distribuição de recursos)

ix. Especificamente para o setor elétrico, os dois pontos principais pleiteados para a alteração do Código Florestal se referem a reserva legal e APPs. De acordo com a legislação, a reserva legal não se aplica ao Setor Elétrico Brasileiro, pois foi concebida para áreas com vocação agrícola ou propriedades rurais. Não incide em atividade industrial, que são os casos dos empreendimentos de utilidade pública para geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, os quais modificam a propiredade do solo rural ou agrícola. Ademais, estudo de legislação comparada entre 10 países com características semelhantes às do Brasil concluiu que a Reserva Legal só existe em nosso País e instituto similar no Paraguai.

Relativamente às APPs, os critérios vigentes para definição dessas áreas não possuem embasamento técnico-científico e não respeitam o uso antrópico consolidado. Dada a insegurança jurídica é extremamente necessário se estabelecer a largura máxima utilizando-se, sobretudo, do Pacuera (Plano Ambiental de Controle e Uso do Entorno do Reservatório Artificial) como instrumento técnico para essa definição. A revisão do Código Florestal é a oportunidade para corrigir essas situações.

x. Desde a Declaração de Estocolmo, em 1972, é assegurada a compatibilidade entre desenvolvimento e proteção do meio ambiente em benefício da população. A própria Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (6.938/81) reitera a necessidade de se assegurar, no Brasil, as condições de desenvolvimento socioeconômico.

Por todo o exposto, os participantes do Seminário Gestão Sociotecnológica em Meio Ambiente identificaram as seguintes premissas para se garantir o desenvolvimento socioeconômico sustentável: (i) segurança jurídica para empreendedores e órgãos licenciadores, (ii) mais agilidade nos processos de licenciamento ambiental, (iii) segurança econômico-financeira para empreendedores e investidores, (iv) diminuição dos impactos sociais e ambientais e (v) modicidade tarifária.

A tônica da revisão do código está justamente na busca do equilíbrio entre os setores produtivo e ambiental, sem esquecer que os seres humanos também fazem parte desse sistema.

Espera-se que a proposta de revisão do Código Florestal Brasileiro represente os diversos anseios da sociedade.
Curitiba, 30 de julho de 2010
Luiz Fernando Leone Vianna
Coordenador
Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico
Newton Pohl Ribas
Diretor Superintendente
Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Comunidade Científica se Mobiliza Contra a Reforma do Código Florestal

A edição do último dia 16 de julho da Science, uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, trouxe uma carta escrita por seis pesquisadores brasileiros, dois deles do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. No texto, o grupo alertava a comunidade científica internacional para os riscos oferecidos pela proposta de reforma do Código Florestal brasileiro, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados. Na opinião dos signatários, se for aprovada da forma como foi apresentada, a matéria representará um "revés ambiental" de proporções irreversíveis para o país.

Assinam a carta acolhida pela Science os professores Carlos Alfredo Joly e Thomas Lewinsohn, ambos do IB-Unicamp. De acordo com este último, que é presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (Abeco), a iniciativa dá sequência ao movimento que pesquisadores e entidades científicas nacionais deflagraram logo que a proposta de reforma do Código Florestal foi apresentada. O objetivo da ação é chamar a atenção dos parlamentares e da opinião pública em geral para os equívocos contidos na matéria e os riscos que ela oferece.

Conforme Lewinsohn, um dos primeiros pontos que precisam ser esclarecidos é o que ele classifica de "falsa polarização" entre os que teriam visões progressistas e retrógadas sobre o agronegócio. "Na realidade, isto não existe. Não se trata de defender a preservação da natureza em detrimento das demandas sociais e econômicas do país, como os que advogam em favor da reforma querem fazer crer. Nós não estamos defendendo uma visão estreita de conservação da natureza. O que estamos fazendo é oferecer uma crítica mais ampla a um projeto que não atendeu aos requisitos mais elementares de preservação, dentro do conceito de sustentabilidade", afirma.

O que está sendo discutido na Câmara dos Deputados – a matéria está prestes a ir a plenário -, prossegue Lewinsohn, tem potencial para trazer consequências gravíssimas não apenas para as áreas de florestas, que poderão dar lugar a novas faixas de produção agrícola, mas também para outros biomas, como cerrados e áreas de várzeas, para ficar em apenas dois exemplos. O docente do IB esclarece que não é verdade que a agricultura brasileira está sufocada pela legislação ambiental e muito menos que o país corra o risco de desabastecimento de alimentos caso as fronteiras agrícolas não avancem sobre as florestas.

Lewinsohn assegura que não faz sentido expandir a agricultura nessas bases, visto que diversos estudos indicam, inclusive alguns elaborados pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq), da USP, que é possível dobrar a atual produção agrícola sem desmatar um metro quadrado sequer de florestas ou áreas de preservação. "A adoção de técnicas mais eficientes já proporcionaria esse avanço. Uma das alternativas viáveis seria adensar o gado no campo, o que liberaria novas e amplas áreas para o plantio de culturas", diz.

Ainda segundo o docente da Unicamp, em nenhum momento a comunidade científica brasileira foi ouvida durante o trabalho de formulação da proposta de reforma do Código Florestal. "Esta é uma das nossas reivindicações. Queremos uma discussão mais ampla, que contemple não apenas os cientistas, mas a sociedade de modo geral". Além do engajamento de pesquisadores de diversas universidades e instituições científicas, o movimento conta também com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC). Também assinam a carta publicada pela Science os seguintes pesquisadores: Jean Paul Metzger, Luciano M. Verdade, Luiz Antonio Martinelli e Ricardo R. Rodrigues.

Reportagem de Manuel Alves Filho. Fotos: Antonio Scarpinetti / Edição das imagens: Everaldo Silva

Reportagem no Portal Unicamp, publicada pelo EcoDebate, 02/08/2010