quarta-feira, 26 de setembro de 2012

PESQUISADORES ANUNCIAM A "EXTINÇÃO INEXORÁVEL" DO RIO SÃO FRANCISCO.

Por Cláudio Motta  
RIO - É equivalente a dar oito voltas na Terra - ou a andar 344 mil quilômetros - a distância percorrida por pesquisadores durante 212 expedições ao longo e no entorno do Rio São Francisco, entre julho de 2008 e abril de 2012. O trabalho mapeia a flora do entorno do Velho Chico enquanto ocorrem as obras de transposição de suas águas, que deverão trazer profundas mudanças na paisagem. Mais do que fazer relatórios exigidos pelos órgãos ambientais que licenciam a obra, o professor José Alves Siqueira, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina, Pernambuco, reuniu cem especialistas e publicou o livro "Flora das caatingas do Rio São Francisco: história natural e conservação" (Andrea Jakobsson Estúdio). A obra foi lançada em Recife este mês.
Em 556 páginas e quase três quilos de textos, mapas e muitas fotos, a publicação é o mais completo retrato da Caatinga, único bioma exclusivo do Brasil e extremamente ameaçado. O título do primeiro dos 13 capítulos, assinado por Siqueira, é um alerta: "A extinção inexorável do Rio São Francisco".
- Mostro os elementos de fauna e da flora que já foram perdidos. É como uma bicicleta sem corrente, como anda? E se ela estiver sem pneu? E se na roda estiver faltando um raio, e quando a quantidade de raios perdidos é tão grande que inviabiliza a bicicleta? Não sobrou nada no Rio São Francisco. Sinceramente, não sei o que vai acontecer comigo depois do livro, mas precisava dizer isso - desabafa o professor da Univasf. - Queremos que o livro sirva como um marco teórico para as próximas décadas. Vou provar daqui a dez anos o que está acontecendo.
Ao registrar o estado atual do Rio São Francisco, o pesquisador estabelece pontos de comparação para uma nova pesquisa, a ser feita no futuro, medindo os impactos dos usos do rio. Além do desvio das águas, há intenso uso para o abastecimento humano, agricultura, criação de animais, recreação, indústrias e muitos outros. Desaguam no Velho Chico milhares de litros de esgoto sem qualquer tratamento. Barramentos - sendo pelo menos cinco de grande porte em Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó - criam reservatórios para usinas hidrelétricas. Elas produzem 15% da energia brasileira, mas têm grande impacto. Alteraram o fluxo de peixes do rio e a qualidade das águas, acabaram com lagoas temporárias e deixaram debaixo d'água cidades ou povoados inteiros, como Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado e Sobradinho.
Com o fim da piracema, uma vez que os peixes não conseguiam mais subir o rio para se reproduzir, o declínio do número de cardumes e da variedade de espécies foi intenso. Entre as mais afetadas, as chamadas espécies migradoras, entre elas curimatá-pacu, curimatá-pioa, dourado, matrinxã, piau-verdadeiro, pirá e surubim.
Não foram as barragens as únicas culpadas pelo esgotamento de estoques pesqueiros do Velho Chico. Programas de incentivo da pesca, que não levaram em consideração a capacidade de recuperação dos cardumes, aceleraram a derrocada da atividade. Espécies exóticas, introduzidas no rio com o objetivo de aumentar sua produtividade, entre elas o bagre-africano, a carpa e o tucunaré, se tornaram verdadeiras pragas, sem oferecer lucro aos pescadores.
A região do São Francisco, que já foi considerado um dos rios mais abundantes em relação a pescado no país, precisa lidar com a importação em larga escala de peixes, sobretudo os amazônicos, para suprir o que não consegue mais fornecer. Uma das espécies mais comercializadas na Praça do Peixe, a 700 metros do rio, é o cachara (surubim) do Maranhão ou do Pará. Nos restaurantes instalados nas margens do Rio São Francisco, o cardápio oferece tilápias cultivadas ou tambaquis importados da Argentina.
A mudança provocada pelo homem tanto nas águas do Velho Chico quanto na vegetação que o circunda foi drástica e rápida. Tendo como base documentos históricos disponíveis, entre eles ilustrações de expedições de naturalistas importantes, como as do alemão Carl Friedrich Philipp von Martius, é possível ver a exuberância do passado. Um desenho feito há 195 anos mostra os especialistas da época deslumbrados com árvores de grande porte, lagoas temporárias, pássaros em abundância. Ou seja, uma enorme biodiversidade, que hoje não existe mais.
Menos de dois séculos depois, restam apenas 4% da vegetação das margens do Rio São Francisco. Desprovidas de cobertura verde, elas sofrem mais com a erosão, que assoreia o rio em ritmo acelerado. Os solos apresentam altos índices de salinização e os açudes ficam com a água salobra. Aumentam as áreas de desertificação. O Velho Chico está praticamente inviável como hidrovia. Espécies foram extintas e ecossistemas estão profundamente alterados.
Diante da expectativa da "extinção inexorável do Rio São Francisco", o livro ressalta a importância de gerar conhecimento científico. Não apenas os pesquisadores precisam se debruçar mais sobre o bioma como também o senso comum criado sobre a Caatinga a empobrece. Por isso o título do livro optou por "Caatingas", no plural, chamando a atenção para sua enorme diversidade.
- O processo que levará ao fim do Rio São Francisco não começou hoje. Basta olhar a ilustração para ver o que aconteceu em tão pouco tempo, menos de 200 anos. A imagem nos mostra um bioma surpreendente: o tamanho das árvores, a diversidade de animais, a exuberância - ressalta Siqueira. -Observamos que ocorre um efeito em cascata. Tanto que, se algo não for feito agora, de forma veemente, o impacto do aquecimento global na Caatinga, que é o local mais ameaçado pelas mudanças climáticas, será dramático.
Exclusividade do Brasil
Difundir o conhecimento gerado durante as expedições é um dos principais legados da publicação. Ainda mais porque trata-se de uma temática brasileiríssima. Aproveitando o jargão ambientalista, que chama de endêmica a espécie que só existe numa determinada região, José Alves Siqueira diz que a Caatinga e o Rio São Francisco são dois endemismos brasileiros. O bioma só ocorre no Brasil, assim como o Velho Chico, que é o único corpo hídrico de grande porte que nasce e deságua em território nacional. Além disso, entre as 1.031 espécies coletadas - a partir de 5.751 amostras -, 136 (13,2%) são restritas à Caatinga. Além disso, 25 espécies cuja ocorrência não era conhecida no Nordeste foram encontradas. Situação semelhante ocorreu com 164 plantas, nunca antes observadas na Caatinga. Mas a cereja do bolo é uma nova espécie coletada por pesquisadores, que ainda estão trabalhando com as informações obtidas em campo para publicar, até o final do ano, a descrição da planta em uma revista especializada.
- A espécie mais próxima desta é do Charco, na Argentina e Paraguai. Isso mostra uma relação entre Caatinga com aquele bioma, são ecossistemas incríveis - ressalta Siqueira. - Este é um dos resultados fabulosos do trabalho, mostra mais uma vez que a Caatinga não é pobre, homogênea nem o patinho feio dos biomas.
No último capítulo, "A flora das Caatingas", assinado por 78 especialistas de 40 instituições, diversas universidades, entre elas UFRJ e USP, jardins botânicos, Embrapa e até o Museu de História Natural de Viena, detalha métodos de pesquisa e apresenta uma lista florística com as 1.031 espécies. Também é possível ver informações na internet, na página www.hvasf.univasf.edu.br/livro.
Os pesquisadores ressaltam, ainda, que ainda há muito para se descobrir sobre a flora das Caatingas. As plantas desenvolvem mecanismos de adaptação que são ignoradas pela ciência. Sendo assim, os autores do livro destacam que são necessários esforço e dedicação para que o estágio do diagnóstico da diversidade biológica seja superado pelos estudos voltados para as práticas de conservação. Nesta direção, a Univasf criou o Centro de Referência para a Restauração de Áreas Degradadas.
Recuperar a Caatinga é uma tarefa árdua, requer conhecimento científico específico. Isso reforça a importância de manter áreas nobres ainda intocadas. A equação é simples: é muito mais fácil e barato manter a floresta em pé do que tentar reflorestar uma região degradada. Por outro lado, sem o rigor acadêmico, empresas que são obrigadas a replantar em determinadas áreas acabam fazendo as escolhas erradas, como colocar grama de crescimento rápido e impacto visual, mas inadequada para o meio ambiente.
Formatar um conhecimento consolidado de como recuperar a Caatinga deverá ser um trabalho para pesquisadores durante os próximos 30 anos. Um capítulo inteiro é dedicado ao assunto: "Restauração ecológica da Caatinga: desafios e oportunidades", assinado por Felipe Pimentel Lopes de Melo, do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco; Fabiana de Arantes Basso, do Centro de Referência para Recuperação de Áreas Degradadas da Caatinga, da Univasf; e Siqueira. Os autores expressam a urgência de melhorar a relação do homem com o meio ambiente. É fundamental superar a tensão entre a conservação dos recursos naturais com a crescente demanda por matéria-prima, como lenha, carvão, água e energia. Em geral, as soluções imediatistas e sem planejamento trazem enormes prejuízos econômicos, sociais e ambientais: os três pilares da sustentabilidade.
O livro também pode ser lido como uma exaltação ao bioma, incluindo a chamada cultura 'caatingueira' e a alma sertaneja, que não são deixadas de fora da edição. No segundo capítulo, ("Viajantes naturalistas no Rio São Francisco"), considerado pelo organizador do livro como o mais poético, Lorelai Brilhante Kury, especialista da Fundação Oswaldo Cruz e da UERJ, faz um resgate histórico e cultural das transformações ambientais.
As agressões ao Velho Chico são históricas. O rio serviu com via de ocupação da região. Ricos e pobres usam os recursos naturais como se fossem infinitos. Entre Petrolina e Juazeiro, casas que valem cerca de R$ 500 mil contam com equipamentos sofisticados, segurança de primeiro padrão e móveis caríssimos, mas a estrutura sanitária é arcaica, contamina o lençol freático e o rio. Lanchas e motos náuticas geram ruído e afugentam peixes. Quase não se vê reaproveitamento de água ou o uso de fontes energéticas renováveis.
- A principal contribuição do livro é chamar a atenção para a Caatinga. É o único bioma exclusivo do Brasil, porém o menos conhecido. Seu personagem mais famoso é o Rio São Francisco, que serviu de mote para o estudo de conservação da Caatinga - frisa Felipe Melo, professor de ecologia da Universidade Federal de Pernambuco e um dos pesquisadores envolvidos na coleta de informações que constam do livro.
Mais do que apontar problemas, os pesquisadores defendem a adoção de práticas sustentáveis. No final de cada capítulo, eles apresentam medidas que poderiam mitigar impactos social, ambiental e também econômico. Além disso, há preocupação com a difusão das informações geradas. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro, por exemplo, também recebe parte do material coletado pelos cientistas. A instituição carioca poderá montar uma estufa dedicada às plantas da Caatinga.
- É um desafio para a sociedade garantir desenvolvimento econômico com sustentabilidade. Vamos fazer outra Sobradinho? Não. As cidades que ficaram debaixo d'água por causa dos represamentos do Rio São Francisco perderam histórias, vidas, sítios arqueológicos inteiros - argumenta José Alves Siqueira. - Em síntese, posso dizer que o caminho a ser seguido para viabilidade do São Francisco como modelo de desenvolvimento para outras regiões é a base científica sólida. Investir em recursos humanos, aporte de recursos financeiros para ciência, tecnologia e educação básica.
Os diagnósticos apresentados no livro, porém, têm prazo de validade. Os autores afirmam que são necessárias intervenções imediatas pra tentar mudar em escala regional o cenário de degradação. Além disso, sobram críticas em relação às discussões que envolvem o novo código florestal. O organizador do livro sustenta que já há conhecimento científico sólido em relação à necessidade mínima de 30 metros de vegetação nas margens dos rios para a proteção da qualidade da água, estabilização de encostas e prevenção a enchentes.
Dinheiro não falta. Pelo contrário. Só as obras de transposição de águas, originariamente orçadas em R$ 4,5 bilhões, deverão consumir cerca de R$ 10 bilhões. São recursos federais que prometem melhorar a qualidade de vida na região. Não é o primeiro grande investimento público da Caatinga. Porém, analisando a história, pesquisadores não encontraram relação direta entre o gasto e o bem-estar para a população.
Para quebrar a ideia de que o setor público não consegue fazer trabalhos de qualidade, os pesquisadores se esforçam para multiplicar o legado dos programas ambientais, previstos nos investimentos que mudarão o curso de parte das águas do Rio São Francisco.
Desde 2008, quando o dinheiro começou a ser repassado para a universidade, foram criados o Centro de Referência da Caatinga e novos laboratórios. A equipe conta com dez picapes com tração nas quatro rodas para percorrer a região durante o monitoramento da vegetação.
O trabalho de formação de alunos se volta para o bioma local. Por exemplo, havia uma dificuldade em achar veterinários que conhecessem os animais do bioma, como o veado catingueiro. Até então, grande parte dos alunos da universidade só entendia de cachorro e de gato.
- A obra (de transposição da água do Rio São Francisco) acaba nos proporcionando os meios para uma formação mais qualificada dentro da universidade. A demanda é grande, falta gente especializada para trabalhar para nossa equipe. Contratamos pessoas do Brasil inteiro - diz Siqueira. - A chave é procurar entender as especificidades do bioma Caatinga, que, muitas vezes, chega a passar dez meses na seca. Precisamos entender as adaptações da fauna e flora, assim como a cultura.

Fonte: Agência O Globo/Yahoo

terça-feira, 25 de setembro de 2012

CARTA DA SBPC E ABC ENVIADA AO SENADO ANTES DA VOTAÇÃO FINAL SOBRE O NOVO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO


Segue a carta da SBPC e ABC enviada para os senadores sobre o Código Florestal antes da votação pelo Senado ocorrida hoje (25/09/2012). Confira a íntegra do texto:


Senhores Senadores,

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem mais uma vez manifestar sua preocupação com o Código Florestal, desta vez por meio de alterações na MP 571/2012 aprovadas pela Comissão Especial e reiterada pela Câmara dos Deputados, que representam mais retrocessos, e graves riscos para o País.
O Brasil deveria partir de premissas básicas que ele próprio aprovou em fóruns internacionais, como por exemplo, na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Nela, sob coordenação do Brasil, os países aprovaram o documento "O Futuro que Queremos".
O documento ressalta o compromisso com um futuro sustentável para o planeta de modo que haja a integração equilibrada das dimensões social, econômica e ambiental. O documento reconhece a importância da colaboração da comunidade científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento da conexão entre a ciência e as políticas, mediante avaliações científicas confiáveis que facilitem a adoção de decisões informadas. Reafirma a necessidade de promover, fortalecer e apoiar uma agricultura mais sustentável, que melhore a segurança alimentar, erradique a fome e seja economicamente viável, ao mesmo tempo em que conserva as terras, a água, os recursos genéticos vegetais e animais, a diversidade biológica e os ecossistemas e aumente a resiliência à mudança climática e aos desastres naturais. Também reconhece a necessidade de manter os processos ecológicos naturais que sustentam os sistemas de produção de alimentos. Além disto, ressalta os benefícios sociais, econômicos e ambientais que as florestas, seus produtos e serviços, podem proporcionar para as pessoas e para as economias. Para que isto ocorra, os países concordaram em envidar esforços para o manejo sustentável das florestas, a recomposição, a restauração e o florestamento, para aumentar as reservas florestais de carbono.
Caso o Senado aprove a MP 571/2012 o Brasil deixaria de cumprir os compromissos que assumiu com seus cidadãos e com o mundo, aprovando medidas que não privilegiam a agricultura sustentável e que não reconhecem a colaboração da ciência e da tecnologia nas tomadas de decisão. Reiteramos que a ciência e a tecnologia permitem conciliar a produção agrícola com a proteção ambiental em benefício da própria agricultura. E, que a destruição indiscriminada dos ecossistemas resulta sempre em elevados prejuízos econômicos. A degradação das terras, das águas, do clima e da biodiversidade ultrapassam o impacto ao meio ambiente, afetando a saúde, além de comprometer também a produção agrícola.
A ABC e a SBPC são contra as seguintes alterações na MP 571/2012, propostas pela Comissão Especial e aprovada pela Câmara:
  • Definição de Pousio sem delimitação de área - A Comissão Especial alterou a definição de pousio incluída pela MP, retirando o limite de 25% da área produtiva da propriedade ou posse (Art. 3o inciso XXIV). Para a ABC e SBPC as áreas de pousio deveriam ser reconhecidas apenas à pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população tradicional, como foram até o presente, sem generalizações. Além disto, deveriam manter na definição o percentual da área produtiva que pode ser considerada como prática de interrupção temporária das atividades agrícolas.
  • Redução da obrigação de recomposição da vegetação às margens dos rios - O relatório aprovado pela Comissão Especial beneficiou as médias e grandes propriedades rurais, alterando o Art. 61-A da MP 571/2012. Nele, a área mínima obrigatória de recuperação de vegetação às margens dos rios desmatadas ilegalmente até julho de 2008 foi reduzida. Pelo texto aprovado, propriedades médias, de 4 a 15 módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais serão obrigadas a recompor as áreas desmatadas em 15 metros contados da borda da calha do leito regular em rios de até 10 metros de largura. Nos outros casos, com rios de qualquer largura, em propriedades acima de 15 módulos fiscais, a definição da área de recuperação foi remetida ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), respeitado o parâmetro de, no mínimo, 20 metros e, no máximo, 100 metros, contados da borda da calha do leito regular. Segundo o texto original da MP, os imóveis com área superior a 4 (quatro) e de até 10 (dez) módulos fiscais, teriam que recuperar em 20 metros de matas desmatadas ilegalmente nessas áreas até julho de 2008, nos cursos d'agua com até 10 (dez) metros de largura. Nos demais casos, em extensão correspondente à metade da largura do curso d'água, observado o mínimo de 30 (trinta) e o máximo de 100 (cem) metros, contados da borda da calha do leito regular. Nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais intermitentes com largura de até 2 (dois) metros, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da área do imóvel rural (Art. 61-A, § 18). As APPs não podem ser descaracterizadas com pena de perder sua natureza e sua função. A área de recomposição das APPs deve ser restabelecida originalmente, e não mais ainda reduzida. As APPs de margens de cursos d'água devem continuar a ser demarcadas, como foram até hoje, a partir do nível mais alto da cheia do rio. A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, particularmente na Amazônia e no Pantanal. Essas áreas além de serem importantes para a conservação da biodiversidade, da manutenção da qualidade quantidade de água, de prover serviços ambientais importantes, elas protegem vidas humanas, o patrimônio público e privado de desastres ambientais.
  • Redução das exigências legais para a recuperação de nascentes dos rios. A medida provisória também consolidou a redução da extensão das áreas a serem reflorestadas ao redor das nascentes. Apesar de que a MP considera como Área de Preservação Permanente (APP) um raio de 50 metros ao redor de nascente, a MP introduziu a expressão "perenes" (Art. 4o, inciso IV), com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor disponibilidade anual de água. Para fins de recuperação, nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e olhos d'água perene, é admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de 15 (quinze) metros (Art. 61-A § 5º).
  • Reflorestamento de nascentes e matas ciliares com espécies arbóreas frutíferas exóticas. É inaceitável permitir a recuperação de nascentes e matas ciliares com árvores frutíferas exóticas, ainda mais sem ser consorciada com vegetação nativa, em forma de monocultivos em grandes propriedades. Os cultivos de frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de agrotóxicos, o que implicará contaminação direta dos cursos de água (Art. 61-A, inciso V).
  • Áreas de Preservação Permanente no Cômputo das Reservas Legais - As Áreas de Preservação Permanente não podem ser incluídas no cômputo das Reservas Legais do imóvel. As comunidades biológicas, as estruturas e as funções ecossistêmicas das APPs e das reservas legais (RLs) são distintas. O texto ainda considera que no referido cômputo se poderá considerar todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, ou seja, regeneração, recomposição e compensação (Art. 15 § 3o). A ABC e a SBPC sempre defenderam que a eventual compensação de déficit de RL fosse feita nas áreas mais próximas possíveis da propriedade, dentro do mesmo ecossistema, de preferência na mesma microbacia ou bacia hidrográfica. No entanto, as alterações na MP 571/2012 mantém mais ampla a possibilidade de compensação de RL no âmbito do mesmo bioma, o que não assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de função. Mantido esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal equivalência e estipular uma distância máxima da área a ser compensada, para que se mantenham os serviços ecossistêmicos regionais. A principal motivação que justifica a RL é o uso sustentável dos recursos naturais nas áreas de menor aptidão agrícola, o que possibilita conservação da biodiversidade nativa com aproveitamento econômico, além da diversificação da produção.
  • Redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico - O Art. 61-B, introduziu a mudança que permite que proprietários possuidores dos imóveis rurais, que em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, recomponham até o limite de 25% da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais, excetuados aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal. Este dispositivo permitirá a redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico. Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a mudança, apenas áreas de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do limite de 25%
  • Delegação aos Estados para definir, caso a caso, quanto os grandes proprietários devem recuperar de Áreas de Preservação Permanente (APPs) ilegalmente desmatadas. A delimitação de áreas de recuperação, mantidos os parâmetros mínimos e máximos definidos pela União, foi remetida para o Programa de Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação. Atualmente esta competência é compartilhada entre municípios, Estados e governo federal. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes proprietários terão de recuperar das áreas de preservação irregularmente desmatadas, pode incentivar uma "guerra ambiental".
  • Diminuição da proteção das veredas - O texto até agora aprovado diminuiu a proteção às veredas. A proposta determina ainda que as veredas só estarão protegidas numa faixa marginal, em projeção horizontal, de 50 metros a partir do "espaço permanentemente brejoso e encharcado" (Art. 4o, inciso XI), o que diminui muito sua área de proteção. Antes, a área alagada durante a época das chuvas era resguardada. Além desse limite, o desmatamento será permitido. As veredas são fundamentais para o fornecimento de água, pois são responsáveis pela infiltração de água que alimenta as nascentes da Caatinga e do Cerrado, justamente as que secam durante alguns meses do ano em função do estresse hídrico.
  • Regularização das atividades e empreendimentos nos manguezais - O artigo 11-A, incluído pela MP, permite que haja nos manguezais atividades de carcincultura e salinas, bem como a regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008 (§§ 1o 6º). Os manguezais estão indiretamente protegidos pelo Código Florestal desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover a regularização de áreas desmatadas irregularmente, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões.
Senhores Senadores, se queremos um futuro sustentável para o País, se queremos promover o desenvolvimento do Brasil, se queremos que a agricultura brasileira perdure ao longo do tempo com grande produtividade, que minimizemos os efeitos das mudanças climáticas, que mantenhamos nosso estoque de água, essencial para a vida e para a agricultura, que protejamos a rica biodiversidade brasileira, temos que proteger nossas florestas, e portanto os senhores não devem aprovar o relatório vindo da Comissão Especial e aprovado pela Câmara.
Aprovar a MP com a modificação feita na Comissão Especial e aprovada pela Câmara significa ignorar os conhecimentos científicos e os anseios da sociedade. A decisão deve transcender os interesses de grupos e sim responder aos interesses maiores da Nação.
Confiando que a posição da Ciência seja desta vez considerada, subscrevemo-nos,
Atenciosamente,
HELENA B. NADER                                                            
Presidente SBPC
JACOB PALIS
Presidente ABC

Fonte: Rede Florest@-BR.

SENADO APROVA MEDIDA PROVISÓRIA QUE ALTERA O CÓDIGO FLORESTAL.


Em votação simbólica, o Plenário do Senado aprovou, nesta terça-feira, 25, a Medida Provisória do Código Florestal (MP 571/2012), o que conclui sua tramitação no Congresso. A matéria agora retorna ao Executivo, onde a presidente Dilma Rousseff decide se sancionará o texto, que foi modificado pelos parlamentares, ou se vai vetá-lo, no todo ou em parte. Manifestaram-se contra a medida os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-PA), Roberto Requião (PMDB-PR) e Lindbergh Farias (PT-RJ).
O texto que volta à presidente Dilma Rousseff é menos exigente quanto à proteção de florestas e matas nativas, o que tem motivado a reação daqueles que atuam em defesa do meio ambiente e manifestações de autoridades do governo em favor das regras previstas inicialmente na MP.
As alterações no texto original da MP 571/2012 foram decididas em acordo no fim de agosto na comissão mista que fez a análise prévia da matéria e confirmadas, na íntegra, pelos Plenários do Senado, nesta terça, e da Câmara, na semana passada. Por ter sido modificada, a medida provisória passou a tramitar como projeto de conversão (PLV 21/2012).
A MP tramitou por quase 80 dias na comissão mista, em meio a polêmica e muita negociação, onde a bancada ruralista tinha maioria de votos, semelhante à correlação de forças existente no Plenário da Câmara. O impasse foi superado quando parlamentares que defendem maior proteção ao meio ambiente cederam para garantir o retorno da proteção a rios não perenes, que havia sido retirada por emenda dos ruralistas.
Para manter as margens de rios temporários como Áreas de Preservação Permanente (APPs), como ocorre com rios perenes, foi aprovada a redução das exigências de recomposição de áreas desmatadas de forma irregular em médias e grandes propriedades.
Escadinha
O texto original da MP já previa benefícios escalonados para propriedades de até 10 módulos fiscais, os quais, no projeto aprovado, foram ampliados para áreas de até 15 módulos fiscais, que são as médias propriedades.
Também foi reduzida de 20 metros para 15 metros a largura da faixa mínima de mata exigida nas margens de rios, para médios produtores. E para os grandes produtores, a exigência mínima de recomposição de mata ciliar caiu de 30 metros para 20 metros.
Foi mantida, para as propriedades maiores, a recomposição máxima de 100 metros de mata. No entanto, foi aprovada norma que delega aos Programas de Regularização Ambiental (PRA), a serem implantados pelos governos estaduais, a definição sobre qual será a obrigação de recomposição de cada produtor, dentro do mínimo e máximo fixados.
Frutíferas
A MP também foi modificada para incluir, na recomposição de APPs, a possibilidade de plantio de árvores frutíferas. No mesmo sentido, foi incluída norma prevendo, na recomposição de reserva legal, o plantio intercalado de espécies nativas com exóticas ou frutíferas.
O projeto aprovado permite ainda computar APP no cálculo da reserva legal mesmo com novos desmatamentos, se a soma de APP e vegetação nativa for maior que 80% do imóvel em áreas de floresta da Amazônia Legal e maior que 50% nas demais regiões.
Nascentes, veredas e pousio
Como forma de aumentar a proteção aos recursos hídricos, os parlamentares aprovaram emenda determinando a recomposição obrigatória mínima de 15 metros de raio em volta de nascentes e olhos d'água perenes. Na MP, o mínimo de recomposição exigida para área desmatada em volta de nascentes variava de 5 a 15 metros de mata, conforme o tamanho da propriedade.
O texto aprovado no Congresso estabelece ainda como área de proteção permanente em vereda uma faixa mínima de 50 metros a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado. No entanto, não será considerado APP o entorno de reservatórios artificiais que não são abastecidos por cursos d'água naturais.
Também foi aprovada emenda para excluir do novo código o limite de 25% da área do imóvel rural que pode ficar em pousio (interrupção do cultivo para descanso da terra). A restrição estava contida no texto original da MP. Os parlamentares também excluíram do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) o conceito de área abandonada.

Fonte: O Estadão / MSN

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

TRANSGÊNICOS E AS DOENÇAS DEGENERATIVAS


Transgênicos aumentam em até três vezes ocorrência de câncer em ratos

 
Estudo revelou que ratos alimentados com milho geneticamente modificado morreram mais rápido. Cientistas afirmam que resultados de pesquisa são alarmantes
Os ratos alimentados com organismos geneticamente modificados (OGM) morrem antes e sofrem de câncer com mais frequência do que os demais, destaca um estudo publicado nesta quarta-feira (19) pela revista "Food and Chemical Toxicology", que considera os resultados "alarmantes".
"Os resultados são alarmantes. Observamos, por exemplo, uma mortalidade duas ou três vezes maior entre as fêmeas tratadas com OGM. Há entre duas e três vezes mais tumores nos ratos tratados dos dois sexos", explicou Gilles-Eric Seralini, professor da Universidade de Caen, que coordenou o estudo.
Para realizar a pesquisa, 200 ratos foram alimentados durante um prazo máximo de dois anos de três maneiras distintas: apenas com milho OGM NK603, com milho OGM NK603 tratado com Roundup (o herbicida mais utilizado do mundo) e com milho não alterado geneticamente tratado com Roundup.
Os dois produtos (o milho NK603 e o herbicida) são propriedade do grupo americano Monsanto.
Durante o estudo, o milho fazia parte de uma dieta equilibrada, em proporções equivalentes ao regime alimentar nos Estados Unidos.
"Os resultados revelam uma mortalidade muito mais rápida e maior durante o consumo dos dois produtos", afirmou Seralini, cientista que integra ou integrou comissões oficiais sobre os alimentos transgênicos em 30 países.
"O primeiro rato macho alimentado com OGM morreu um ano antes do rato indicador (que não se alimenta com OGM), enquanto a primeira fêmea, oito meses antes. No 17º mês foram observados cinco vezes mais machos mortos alimentados com 11% de milho (OGM)", explica o cientista.
Os tumores aparecem nos machos até 600 dias antes de surgirem nos ratos indicadores (na pele e nos rins). No caso das fêmeas (tumores nas glândulas mamárias), aparecem, em média, 94 dias antes naquelas alimentadas com transgênicos.
Os pesquisadores descobriram que 93% dos tumores das fêmeas são mamários, enquanto que a maioria dos machos morreu por problemas hepáticos ou renais.
O artigo da "Food and Chemical Toxicology" mostra imagens de ratos com tumores maiores do que bolas de pingue-pongue.
"Com uma pequena dose de Roundup, que corresponde à quantidade que se pode encontrar na Bretanha (norte da França) durante a época em que se espalha este produto, são observados 2,5 vezes mais tumores mamários do que é normal", explica Seralini.
O diretor do estudo disse ainda que os transgênicos agrícolas são organismos modificados para resistir aos pesticidas ou para produzi-los e lembrou que 100% dos transgênicos cultivados em grande escala em 2011 foram plantas com pesticidas.
"Pela primeira vez no mundo, um OGM e um pesticida foram estudados por seu impacto na saúde a mais longo prazo do que haviam feito até agora as agências de saúde, os governos e as indústrias", disse o coordenador do estudo.
Segundo Seralini, os efeitos do milho NK603 só foram analisados até agora em períodos de três meses. Alguns transgênicos já foram analisados durante três anos, mas nunca até agora com uma análise em tal profundidade, segundo o cientista.
Também é a primeira vez, segundo Seralini, que o pesticida Roundup foi analisado em longo prazo. Até agora, somente seu princípio ativo (sem seus coadjuvantes) havia sido analisado durante mais de seis meses.
"São os melhores testes que podem ser realizados antes dos testes em humanos", explicou ainda.
O estudo foi financiado pela Fundação CERES, bancada em parte por cerca de 50 empresas, algumas delas do setor da alimentação que não produzem OMG, assim como pela Fundação Charles Leopold Meyer pelo Progresso da Humanidade.

Fonte: ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/2012-09-19/estudo-revela-toxicidade-alarmante-dos-transgenicos-para-os-ratos.html

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

DEGELO DO ÁRTICO TRAZ ENORMES E MISTERIOSAS CONSEQUÊNCIAS...


O degelo do Ártico tem consequências "enormes" para o planeta, como condições climáticas extremas, mas também "misteriosas", como a possível liberação de grandes quantidades de metano, gás causador de efeito estufa mais nocivo para a atmosfera que o CO2, advertem especialistas.
Na quarta-feira, a Universidade de Columbia e a organização ambientalista Greenpeace organizaram duas conferências em separado em Nova York para discutir as consequências do nível historicamente baixo da superfície de gelo do Ártico, anunciado pelas autoridades americanas.
As imagens de satélite mostram que o gelo recuou até 3,4 milhões de quilômetros quadrados em 16 de setembro, o que parece ser o registro mais baixo do ano, segundo o Centro Nacional de Neve e Gelo dos Estados Unidos (NSIDC, na sigla em inglês).
"Entre 1979 e 2012 tivemos uma redução de 13% por década na calota de gelo do Ártico, uma aceleração com relação aos 6% registrados entre 1979 e 2000. Se a tendência continuar, não haverá placa de gelo até o fim desta década", disse Wieslaw Maloswski, da escola de pós-graduação da Marinha americana, em alusão a estes dados.
Malowski lembrou, durante a conferência do Greenpeace, que em 1979 a superfície da calota polar era de 8 milhões de quilômetros quadrados, com uma média de 6,8 milhões nos anos seguintes, demonstrando uma queda de 50%.
Se estas cifras são piores do que as estimativas, não foram surpresa para a comunidade científica, informou outro especialista presente no encontro, James Hansen.
"Estamos diante de uma emergência planetária", afirmou Hansen, lembrando que o degelo do Ártico está agravando as consequências do aquecimento global que a Terra vem registrando por causa dos gases de efeito estufa produzidos pela ação do homem.
Entre estas consequências estão condições climáticas extremas em diferentes partes do mundo, como a seca e a onda de calor registrados este verão nos Estados Unidos ou o lento mas contínuo aumento do nível dos oceanos que ameaça as zonas costeiras baixas.
Outro resultado deste fenômeno é a possível liberação de grandes quantidades de metano - gás causador de efeito estufa - preso na crosta terrestre debaixo do gelo eterno da Groenlândia.
"As implicações são enormes e também misteriosas", concordou Bill McKibben, co-fundador da ONG 350.org, em alusão a estes cenários.
Para Peter Schlosser, especialista do Earth Institute da Universidade de Columbia, o impacto no Ártico é difícil de estabelecer, pois no que diz respeito às mudanças climáticas, esta região "possivelmente vai responder de forma mais rápida e severa do que outras partes do planeta".
"As mudanças do aquecimento global induzido pelo ser humano são cada vez mais visíveis e se esperam impactos maiores no futuro", afirmou Schlosser.

-- Recursos naturais, rotas marítimas --

Por outro lado, o degelo do Ártico é considerado por muitos uma grande oportunidade para explorar recursos naturais e utilizar novas rotas marítimas abertas pela ausência de placas de gelo durante o verão, que encurtarão as distâncias entre portos da América do Norte, da Europa e da Ásia.
Segundo as autoridades americanas, no Ártico há reservas petrolíferas da ordem de 90 bilhões de barris, além de gás e minerais, o que já motivou grandes grupos energéticos como a britânico-holandesa Shell a fazer fortes investimentos na região.
Para Kimi Naidoo, diretor executivo da organização Greenpeace International, este interesse do setor petroleiro e sua enorme influência sobre os governos é uma das razões da falta de ações concretas para deter o degelo do Ártico.
"Por que nossos governos não adotam ações? Porque foram capturados pelos mesmos interesses da indústria energética", afirmou.
"Tenho uma sensação de 'dejà vu'. O mesmo aconteceu com a Aids", acrescentou, em alusão à lentidão para reagir a esta epidemia e aos milhões de mortes que causou antes de ser enfrentada corretamente pelos governos.
As rotas marítimas são uma "tentação", embora os riscos e os custos sejam muito importantes, advertiu por sua vez Anne Siders, pesquisadora da Universidade de Columbia.
Entre estes problemas, Siders enumerou as placas de gelo à deriva, a escassa infaestrutura em caso de acidente, os custos de projeto dos barcos e os seguros especiais.
Siders também se referiu às possibilidades que se abrem para a indústria pesqueira e a ameaça que representa: "a pesca se moverá para o norte, o que significa que mais peixes serão tirados do seu ecossistema", disse.
Neste sentido, Caroline Cannon, líder da comunidade Inupiat (nativos nômades) do Alasca (noroeste dos EUA), que tem 9 filhos e 25 netos, lembrou que seu povo "depende" da pesca e da caça no Oceano Ártico para sobreviver.
"Estamos vendo mudanças terríveis. Dá medo pensar no nosso abastecimento de comida", destacou, em alusão ao futuro do ecossistema na região.
Fonte: Yahoo /AFP

CÂMARA APROVA MEDIDA PROVISÓRIA DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL

19/09/2012 

Câmara aprova MP do Código Florestal

Texto agora será analisado pelo Senado Federal
O Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Mendes Ribeiro, disse que a aprovação da Medida Provisória (MP) do Código Florestal, nessa terça-feira (19), pela Câmara dos Deputados, representa mais uma etapa vencida para acabar com a insegurança jurídica do produtor rural.
"A segurança jurídica é fundamental para o Brasil", ressalta o ministro. De acordo com ele, a aprovação do Código Florestal vai permitir que tanto os pequenos quanto os médios produtores rurais produzam e cresçam mais.
Para Mendes Ribeiro, não há Código Florestal de ambientalista ou ruralista, mas do Brasil. "Vamos continuar trabalhando para ter o Código Florestal brasileiro, depois de 20 anos, como uma realidade que o Brasil tanto perseguiu", afirma.
O texto aprovado pelo plenário da Câmara foi o parecer da comissão mista que analisou a matéria. Agora a MP será analisada pelo Senado Federal.
 
Mais informações para a imprensa:
Assessoria de Comunicação Social
(61) 3218-2205
Carlos Américo
Fonte:
imprensa@agricultura.gov.br (MAPA)
 

domingo, 9 de setembro de 2012

FINLÂNDIA ARRENDA FLORESTAS PARA PRESERVAR A BIODIVERSIDADE



Governo finlandês trabalha para aumentar a mata nativa local, que representa apenas de 2% a 10% das florestas do país
Foto: DiárioNet

SABRINA BEVILACQUA
Especial da Finlândia para o Terra

Governo da Finlândia está arrendando terras de proprietários locais que tenham florestas nativas para preservar a biodiversidade do país. Trata-se de uma tentativa de chamar a atenção dos donos dessas áreas para a conservação do meio ambiente. A mata natural na Finlândia é pouca - representa apenas de 2% a 10% das florestas -, apesar de o país ter o maior porcentual de áreas florestais do continente, com 76% de seu território (23 milhões de hectares) coberto por florestas.
Segundo o professor de Meio Ambiente e Recursos Econômicos da Universidade de Helsinque, Markku Ollikainen, aproximadamente metade das florestas finlandesas é utilizada para fins econômicos. A indústria florestal é uma das atividades com mais destaque na economia local, com foco basicamente na exploração de madeira para atividades como a produção de móveis e papel. O setor responde por 8% do Produto Interno Bruto do país e por cerca de 30% das exportações. A importância econômica da atividade levou a uma exploração desenfreada do solo. Como consequência, a qualidade e o volume da madeira produzida começaram a cair.
Diante do quadro que colocava em xeque a atividade industrial e a preservação ambiental, o governo decidiu inovar sua relação com o setor florestal. Uma saída foi ajudar na melhoria da gestão das áreas florestais - na Finlândia dois terços das florestas são particulares. As medidas estão dando certo. Hoje o crescimento de árvores supera o de corte. E a área protegida no sul do país dobrou, atingido 3% - no norte o índice chega a 30%.
Os especialistas como Ollikainen ponderam, entretanto, que só aumentar o número de áreas protegidas não é suficiente. Para eles, o importante é que elas sejam naturais. Ollikainen ressalta a necessidade de pensar na biodiversidade. Argumenta que as florestas plantadas não garantem a sobrevivência de metade das espécies existentes no país - 38% dos animais em extinção vivem em florestas. "Precisamos encontrar maneiras de elevar o valor das florestas naturais em pé e de manter a nossa biodiversidade. E o arrendamento de propriedades é uma maneira de fazê-lo", afirma o professor.
Pelo projeto, o governo faz um estudo da fauna e flora das propriedades candidatas a participar do programa e, se considerar que o local é importante para a conservação da biodiversidade, firma um acordo de arrendamento por dez anos. Durante esse período, o local não pode ser explorado. Segundo Ollikainen, o proprietário pode receber valores que variam de 3 mil euros a 10 mil euros por hectare para os dez anos, dependendo do potencial de biodiversidade identificado que estará sendo preservado.
Após o arrendamento, o dono da terra pode retomar o local para desenvolver atividades, renovar o acordo ou vender para o governo. Em caso de compra pelo Estado, o local será transformado em área preservação permanente.
De acordo com Ollikainen alguns proprietários já demonstraram interesse em vender as terras para o governo. "Conheço alguns casos em que as negociações para proteção permanente já começaram", conta.
O programa do governo é uma alternativa econômica principalmente para pequenos proprietários ou famílias que utilizam suas terras para recreação - um finlandês de cada cinco tem uma área com floresta em sua propriedade. O pagamento aos pequenos proprietários também funciona como um seguro futuro, uma vez que a venda de madeira e de papel para Europa e Estados Unidos vem diminuindo ano após ano.
Ollikainen ressalta que o projeto pôs fim às ações mandatórias do governo que não resolviam os problemas econômico e ambiental. Ele explica que quando uma espécie rara era encontrada em uma terra particular, as autoridades proibiam o dono de exercer qualquer atividade no local. A medida teve efeito inverso. Para evitar problemas com o Estado, os proprietários passaram a exterminar os animais. Em alguns casos, quando não conseguiam encontrá-los, derrubavam a floresta toda antes que o governo tivesse tempo de agir. Na opinião do professor, o programa do governo deu uma nova dimensão à área florestal e sugere que o patrimônio de espécies e animais poderá ser preservado para gerações futuras.

Fonte: Terra Notícias/Painel Florestal


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

CIENTISTA DENUNCIA OMISSÃO DA EMBRAPA NA DISCUSSÃO DO CÓDIGO FLORESTAL E CENSURA A PESQUISADORES

Débora Calheiros: “Chega de censura a cientistas, falta de comprometimento com o rigor e qualidade técnica numa questão crucial como o Código Florestal”
por Conceição Lemes
Em plena Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a doutora Débora  Fernandes Calheiros divulgou o documento Ensaio sobre a cegueira ambiental e social (íntegra, no final).
Nele, Débora denuncia a censura imposta a cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), especialmente sobre as questões referentes à revisão do Código Florestal. Também observa que a empresa, vinculada ao Ministério da Agricultura, manteve-se estrategicamente em silêncio, afastada do debate com a sociedade :
A revisão do Código Florestal deveria ser elaborada sim, atendendo às inovações tecnológicas e ao aumento do conhecimento científico… Deveria ter sido feita com base na Ciência, com “C” maiúsculo, como o foi à época realizado o Código das Águas (1934) e o Código Florestal (1969), editados por um Ministério da Agricultura à frente de seu tempo e preocupado com a conservação dos recursos hídricos e naturais indispensáveis à própria atividade agrícola
…Todos os cientistas puderam se manifestar livremente e oficialmente sobre o tema.
…No entanto, a empresa na qual trabalho, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, ligada ao Ministério da Agricultura, ícone da pesquisa agropecuária de nosso país, proibiu institucionalmente desde out./2010 seus pesquisadores de se manifestarem oficialmente no que se refere ao Código Florestal e “outros assuntos polêmicos”, “evitando conflitos com a posição oficial da instituição”, contrariando, inclusive, o seu próprio Código de Ética…
Recentemente (mar./2012), antes mesmo da aprovação do novo Código na Câmara Federal ou da sanção ou veto da Presidente, fomos informados por meio do Documento “Embrapa 2012 – Ano Embrapa para uma Agricultura Mais Verde” que a mesma “reconhece e fortalece as responsabilidades sociais e ambientais” e busca o fortalecimento da gestão que considera de “vanguarda” por meio “da implementação de ações sustentáveis, incluindo a obediência ao novo Código Florestal”.
 Isso renegando um parecer técnico de seu próprio corpo de cientistas “Síntese da Pesquisa Agropecuária na Embrapa e a Proteção Ambiental” (jul/2009), que obviamente corrobora as opiniões dos demais cientistas da área, tendo cuidado especial para as pequenas propriedades, a grande maioria das propriedades rurais do país.
Esta repórter foi checar essas informações.
O primeiro passo foi pesquisar no Google Embrapa e Código Florestal. Curiosamente, com frequência, os links remetem para sites ligados a ruralistas e ao agronegócio, que chamam os ambientalistas de “ecotalibãs” e desqualificam a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O pesquisador em questão é Evaristo Miranda, importante na Embrapa e um dos precursores da atual revisão do Código Florestal em prol do agronegócio. É ligado ao senador José Sarney (PMDB-AP).
 Nele, o presidente-executivo da Embrapa, Pedro Arraes, fala sobre a postura da Embrapa diante do Código Florestal.
Curiosamente, esta repórter não achou no Google um link onde pudesse se inteirar em profundidade sobre as posições técnico-científicas da Embrapa em relação à revisão do Código Florestal.
Por isso, o segundo passo foi perguntar diretamente à própria Embrapa:
1. Por que não participou dos debates sobre as mudanças do Código Florestal, como fizeram  muitas instituições brasileiras ligadas à pesquisa? Afinal, o Código Florestal e Embrapa têm tudo a ver.
2. Por que proibiu seus pesquisadores de participar desse debate?
3. Seria possível disponibilizar o parecer técnico da Embrapa sobre as mudanças no Código Florestal?
Respostas encaminhadas ao Viomundo pela Secretaria de Comunicação da Embrapa:
1. A Embrapa  participou de todos os  debates para os quais foi convidada, em foruns estaduais e federais. Esteve, inclusive, representada em 15 audiências públicas sobre o Código Florestal realizadas no Congresso Nacional.
2. A Embrapa não proibiu seus pesquisadores de participar do debate. Vários pesquisadores foram, inclusive,  designados para representa-la nas audiências públicas. O que a empresa procura preservar é a sua visão institucional.  Pesquisadores ou todos os funcionários da Embrapa, como todo cidadão brasileiro, tem o direito de opinar sobre quaisquer temas de interesse público. Contudo, essa opinião pessoal não deve ser traduzida como sendo a  opinião institucional da Embrapa.
Como um órgão responsável pela pesquisa agropecuária não cabe, em qualquer situação, a Embrapa, como instituição de Governo, emitir opiniões sem o  devido respaldo de sua lógica cientifica aplicada a dados, preferencialmente primários. Estes certamente requererão um enorme esforço da pesquisa, num prazo bem mais longo do que o que foi disponibilizado nas discussões que antecederam a aprovação do Código Florestal.
3. Não existe parecer técnico institucional da Embrapa a ser disponibilizado.
Só que a Embrapa:
1. Estranhamente não apresentou, de forma clara, à sociedade as suas posições técnico-científicas sobre Código Florestal, como fizeram outras instituições e entidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), entre outras. E não foi por falta de massa crítica. Competência, seus pesquisadores têm — e muita!
2. Vetou, sim, a participação de seus pesquisadores em debates, inclusive no debate que houve na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2011, e foi amplamente denunciado na mídia.
3. Existe, sim, um parecer feito por pesquisadores da Embrapa e que resume a posição da empresa sobre o Código Florestal. Esse documento foi apresentado à comissão especial do Código Florestal e subsidiou o Relatório de Aldo Rebelo. Tem 22 páginas, incluindo a de rosto, abaixo.

Decidimos então publicar a carta-denúncia da pesquisadora Débora Calheiros e entrevistá-la para saber mais detalhes.
Débora Calheiros é muito respeitada por seus pares. Bióloga, com mestrado em Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia de São Carlos e doutorado em Ciências no Centro de Energia Nuclear em Agricultura (Cena), ambos da USP. Há 26 anos atua em ecologia de rios e planícies de inundação e na área de gestão de recursos hídricos e há 23 trabalha na Embrapa Pantanal.
Viomundo – Por que esta carta-denúncia?
Débora Calheiros — Não posso compactuar com a omissão deliberada da Embrapa em relação à revisão do Código Florestal… Omissão e conivência por pressão política de um setor econômico da sociedade. Sou especialista em conservação de rios, encaro como um dever profissional a minha denúncia. Espero sinceramente que ela ajude a melhorar a instituição pública em que trabalho há tanto tempo, tornando-a, quem sabe, mais democrática e que cumpra mais o seu papel na formação de uma opinião científica crítica em nosso país.
A Embrapa é uma empresa pública de pesquisa na área de agricultura e ambiental, que deve ser independente e se pautar estritamente por bases científicas e não ideológicas. Infelizmente, não é o que está acontecendo. Sou acusada internamente como ideológica.  Mas quem foi flagrantemente ideológica no caso do Código Florestal, uma vez que não se posicionou cientificamente de forma clara para a sociedade?
Viomundo – Os pesquisadores estão proibidos de dar declaração apenas em relação Código Florestal ou a restrição se estende a outros temas?
Débora Calheiros — Desde 2010, estamos proibidos de dar declarações sobre o Código Florestal, transgênicos e qualquer outro tema considerado “polêmico” pela empresa. Apenas podem falar oficialmente, inclusive com a imprensa, as chefias ou quem elas designarem.
Viomundo – Com que argumento ou objetivo?
Débora Calheiros — Seria para “preservar a unicidade do discurso da empresa e evitar divergências nas informações prestadas”. Também porque “não se deve emitir opiniões pessoais sobre assuntos relativos à empresa, evitando conflitos com a posição oficial da instituição.”
E, aí, pergunta-se: qual deveria ser a posição oficial sobre o Código Florestal de uma instituição pública de pesquisa se não uma posição estritamente técnica?
Viomundo – Pelo que entendi do seu documento, a Embrapa ignorou o documento dos pesquisadores sobre o Código Florestal. É isso mesmo?
Débora Calheiros – A empresa ignorou parecer técnico de uma Comissão de pesquisadores das áreas de recursos hídricos, zoneamento, solos e sensoriamento remoto, que foi designada especialmente para  avaliar as mudanças no Código Florestal em 2009.
Ou seja, a empresa não se posicionou sobre uma questão crucial relacionada à sustentabilidade do uso dos recursos naturais pela agricultura. Preferiu estrategicamente se omitir. Detalhe: a questão ambiental e a sustentabilidade na agricultura são áreas de atuação da empresa, inclusive amplamente utilizadas em material informativo e promocional.
Viomundo – Essa omissão se deve a quê? Seriam pressões do setor ruralista?
Débora Calheiros — Tudo indica que sim. Inclusive o Ministério da Agricultura se posicionou abertamente a favor da versão do Código Florestal apoiada pelos ruralistas, e ainda salientou que a agricultura brasileira seria exemplo de sustentabilidade.
Viomundo – Você diria que a Embrapa não tem independência científica?
Débora Calheiros — Na área ambiental, com certeza. Nós podemos até publicar artigos científicos em revistas técnicas, mas informar e discutir abertamente com a sociedade sobre os tais “assuntos polêmicos”, não. É um tabu. As chefias pressionam e os pesquisadores acabam se autocensurando. Só que, como pesquisadores de um órgão público, temos o dever de informar e debater abertamente com toda a sociedade, desde que em bases técnicas.
Viomundo – Essa visão é só sua ou outros pesquisadores da Embrapa pensam igual?
Débora Calheiros – Minha visão é compartilhada por aqueles que têm senso crítico e entendem que pesquisa é mais do que publicar artigos científicos apenas. Ciência também é transformação social com base em saber científico. Porém, quase ninguém explicita isso, tem medo de represálias. Só que a divulgação científica é um instrumento de construção da democracia e da cidadania.
Viomundo – Você não teme represálias?
Débora Calheiros – Há anos sofro represálias, mas nos últimos quatro aumentou. Foi quando já sendo doutora e chegando aos 50 anos de idade, resolvi que deveria finalmente reagir. Eu entendo que, sendo funcionários do povo brasileiro, devemos dar livre acesso às informações científicas de qualidade que geramos/estudamos, sem se submeter às pressões de determinados grupos da sociedade. Imagino que agora com a vigência da Lei de Acesso à Informação isso possa melhorar na instituição.
Viomundo – Que represália já sofreu?
Débora Calheiros – Houve uma sindicância fraudulenta contra mim em que fui considerada ideológica, insubordinada e ligada a ONGs. Um absurdo! Em função disso, fui retirada de representações oficiais em que eu era a pessoa mais indicada por mérito e experiência no assunto.
Viomundo – A que assunto você se refere?
Débora Calheiros – Gestão de recursos hídricos e bacias hidrográficas da região pantaneira e mais especificamente quanto à ameaça de 135 hidrelétricas previstas na bacia formadora do Pantanal, assunto considerado polêmico pela Embrapa Pantanal, só recentemente abrandado.
Em conjunto esses empreendimentos têm alto risco de alterar o pulso de cheias e secas dos rios que formam a planície do Pantanal e causar problemas sociais gravíssimos a médio e longo prazo. Em consequência, afetando diretamente a produção pesqueira e a segurança alimentar de pescadores e ribeirinhos, bem como a atividade econômica da pesca profissional e turística.
Viomundo – Se a chefia é contra, como continua trabalhando nesta questão?
Débora Calheiros – Porque o Ministério Público Federal (MPF) solicita minha contribuição por meio de ofícios endereçados diretamente à minha pessoa. Além disso, com o apoio importantíssimo do nosso Sindicato (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário, Sinpaf) e colegas professores, consegui ser cedida à Universidade Federal de Mato Grosso. Foi o único jeito de me afastar dos assediadores e preservar minha saúde física e emocional.
Viomundo – Como está sua situação na empresa?
Débora Calheiros – Tenho um processo contra a empresa por danos morais (assedio moral e sofrimento no trabalho), mas recentemente a decisão judicial de primeira instância da Justiça do Trabalho confirmou a tese da empresa: “A reclamante, na condição de empregada subordinada, é que deve acatar o poder diretivo do empregador representado na pessoa de seus superiores hierárquicos, ainda que sua opinião técnica ou científica sobre determinados temas seja divergente.”  E ainda: “que eu não sigo a ideologia da empresa”…
Ora, pergunta-se novamente qual deveria ser a ideologia de uma empresa pública de pesquisa a não ser a Ciência e o respeito às leis vigentes em nosso país? Não estamos na era medieval nem sob ditadura…  Sou uma pesquisadora formada pelo povo brasileiro e devo respeito às leis, aos Códigos de Ética e à Ciência da qual sou especialista. Como posso seguir cegamente a decisão de chefias que não entendem da minha área científica, ou, pior, preferem deliberadamente se omitir ou serem coniventes com erros técnicos ou impedir a discussão com a sociedade de temas importantes e “polêmicos”?
Cabe lembrar que a Embrapa foi condenada em duas instâncias em outro processo por assédio moral institucional, atualmente sendo analisado em última instância no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Foi uma ação movida pelo Sinpaf e acatada pelo Ministério Público do Trabalho – DF.
Viomundo – E, agora?
Débora Calheiros — Chega de censura a cientistas, falta de comprometimento com o rigor e qualidade técnica numa questão crucial como o Código Florestal, favorecendo apenas um setor econômico em detrimento da ampla discussão com todo o povo brasileiro.
O país sofreu muito na época da ditadura militar para que hoje tivéssemos o direito à liberdade de pensamento e expressão. E como cientista, essa é premissa básica, e como cientista de uma instituição pública, um dever.
Sigo com muita honra o Artigo 225 da Constituição Brasileira no que se refere a termos responsabilidades como cidadãos e como órgão público em relação à conservação do meio ambiente.
Sou respeitada pelos meus colegas e tenho um bom trabalho científico, mesmo não sendo uma pesquisadora considerada de excelência apenas pelo número de publicações. Mas faço um bom trabalho e tenho muito orgulho de minha atuação profissional. Não posso compactuar mais com isso.
*************
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA AMBIENTAL E SOCIAL
Dra. Débora F. Calheiros
Parafraseando José Saramago, tomo a liberdade de comparar o universo criado pelo autor com o que vivemos atualmente às vésperas da Rio + 20. O Brasil poderia estar à frente em termos mundiais, dando exemplo de como conservar seu patrimônio natural, crescer economicamente de forma qualitativa, detentor do que deveria ser uma combinação eficiente: uma das maiores reservas de biodiversidade e de água do planeta, associadas a uma legislação ambiental primorosa. Contudo fez opção pelo oposto.
A revisão do Código Florestal deveria ser elaborada sim, atendendo às inovações tecnológicas e ao aumento do conhecimento científico. Óbvio. Mas não da forma que foi feita, de forma meramente política para atender um setor privilegiado econômica e politicamente da sociedade brasileira, com objetivos meramente econômicos e de curtíssimo prazo. Deveria ter sido feita com base na Ciência, com “C” maiúsculo, como o foi à época realizado o Código das Águas (1934) e o Código Florestal (1969), editados por um Ministério da Agricultura à frente de seu tempo e preocupado com a conservação dos recursos hídricos e naturais indispensáveis à própria atividade agrícola.
Muitos já falaram sobre isso. Muitos cientistas do mais alto gabarito deste país. Desde Aziz Ab’Saber (USP) a J. G. Tundisi (IEE), Luiz A. Martinelli (CENA-USP), Carlos A. Joly (UNICAMP), Carlo Nobre (INPE), Gerd Sparovek (ESALQ-USP), Jean P. Metzger (IB-USP), Yara Schaeffer-Novelli (IO-USP), Maria T. F. Piedade (INPA), Wolfgang J. Junk (INAU – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas/UFMT), Paulo T. de Sousa Jr. (INAU/UFMT), Catia N. da Cunha (INAU/UFMT), Ennio Candotti (Museu da Amazonia), P. Girard (INAU/UFMT), L. Casssati (UNESP) entre vários outros, além de programas de pesquisa importantíssimos como o Biota FAPESP e o próprio INAU, bem como instituições que deveriam ser referência como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e, salienta-se, até a própria agência governamental das Águas (ANA). De minha parte, humildemente, também me incluo neste grupo, como doutora em Ciências, pesquisadora da área de Limnologia (estudo de ambientes aquáticos continentais), Ecotoxicologia (contaminação ambiental por pesticidas) e Etnoecologia (estudo do conhecimento das comunidades e povos tradicionais sobre o funcionamento ecológico de seus ambientes), especificamente na área de ecologia de rios e planícies de inundação do Pantanal Mato-Grossense há mais de 20 anos.
Pergunta-se: Para que serve, então, a Ciência? Para que milhões de reais são gastos em pesquisa, em programas de pós-graduação para a formação de novos cientistas na área de recursos hídricos e ecologia? O que acontece com um país que renega e desrespeita a opinião unânime de seus mais importantes cientistas, em pleno Século XXI e não no obscurantismo medieval ou ditatorial, mas sim, acredita-se, em plena vigência da democracia? E tudo isso, pasmem, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), com o país e o mundo clamando por melhor qualidade de vida e sustentabilidade?
Mais de dois milhões de assinaturas de brasileiros clamando pelo Veto. Manifestações veementemente críticas de ONGs de importância nacional e internacional, de movimentos sociais como a Via Campesina, dos ex-ministros do Meio Ambiente, da OAB e de tantos outros congregados num movimento histórico denominado Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável. Posição unânime de cientistas renomados. Mas nada disso vale quando não há sensibilidade política para a causa humanista, base da conservação ambiental, optando-se por garantir novamente o privilégio de poucos em detrimento de toda a sociedade e reforçando incoerentemente a pobreza. Como diria Juan M. Alier em seu “Ecologismo dos Pobres” (1992): apropriação e exploração inconsequentes dos recursos naturais pelas leis capitalistas de mercado.
Contudo a liberdade de expressão científica e cidadã foram asseguradas. Todos os cientistas puderam se manifestar livremente e oficialmente sobre o tema. Já esta prerrogativa não nos foi autorizada. O que faço aqui pode gerar ainda mais represálias. Mas entendo que a liberdade de expressão é assegurada constitucionalmente e na Declaração Universal de Direitos Humanos, e a liberdade de pensamento e expressão científicos são, além de base filosófica da Ciência, um direito e um dever profissional. Um dever de todos os gestores e órgãos públicos como determina o Artigo 225 da Constituição Federal e o Código de Ética Profissional dos servidores em órgãos da Administração Pública: “VIII – Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública”.
No entanto, a empresa na qual trabalho, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, ligada ao Ministério da Agricultura, ícone da pesquisa agropecuária de nosso país, proibiu institucionalmente desde out./2010 seus pesquisadores de se manifestarem oficialmente no que se refere ao Código Florestal e “outros assuntos polêmicos”, “evitando conflitos com a posição oficial da instituição”, contrariando, inclusive, o seu próprio Código de Ética. Este fato foi noticiado na grande imprensa à época quando da realização de uma Audiência Pública sobre o tema no Senado Federal em fev./2011. Recentemente (mar./2012), antes mesmo da aprovação do novo Código na Câmara Federal ou da sanção ou veto da Presidente, fomos informados por meio do Documento “Embrapa 2012 – Ano Embrapa para uma Agricultura Mais Verde” que a mesma “reconhece e fortalece as responsabilidades sociais e ambientais” e busca o fortalecimento da gestão que considera de “vanguarda” por meio “da implementação de ações sustentáveis, incluindo a obediência ao novo Código Florestal”.
Isso renegando e ocultando um parecer técnico de seu próprio corpo de cientistas “Síntese da Pesquisa Agropecuária na Embrapa e a Proteção Ambiental” (jul/2009), que obviamente corrobora as opiniões dos demais cientistas da área, tendo cuidado especial para as pequenas propriedades, a grande maioria das propriedades rurais do país. Ou seja, a influência política do setor agropecuário também inibe, pressiona e censura a Ciência, numa empresa pública de pesquisa, que utilitariamente e docilmente (parafraseando um artigo crítico à instituição de Araújo e colaboradores, publicado em 2011:http://www.scielo.br/pdf/rap/v45n3/10.pdf) consente e se omite em um debate crucial para a sustentabilidade da agricultura e, portanto, ambiental do país.
Tudo isso demonstra quão frágil ainda é a democracia e as instituições governamentais brasileiras em relação à influência do capital em se apoderar dos recursos naturais em detrimento do conjunto da população brasileira, daí o fato notório de estarmos na 7ª posição em termos de economia mundial e na 84ª em termos de distribuição de renda. Apesar de alguns avanços, pouco mudamos neste aspecto desde a colonização. Cegueira irresponsável, social e ambiental, censurando e perseguindo cientistas, em pleno Século XXI.
Na verdade não está sendo apenas um embate entre ideias ruralistas e ambientalistas, mas entre ruralistas e cientistas, mas com exceção desta importante instituição pública de pesquisa de grande relevância para a produção de alimentos para o Brasil. Na verdade, trata-se de um debate entre ruralistas e uma parte significativa da sociedade brasileira, que deveria ser respeitada com base no Artigo 225 da nossa Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”