quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

UM NOVO PARADIGMA: ECO-ECONOMIA


“O não contato com a realidade é a principal crítica aos economistas. Eles não têm contato com a realidade e não entendem que o problema ambiental não brotou do nada, e sim do sistema econômico, das ações diárias das pessoas, e que existe uma necessidade de mudança de paradigma”. Assim, o economista Hugo Penteado define os profissionais da área econômica de hoje. Em entrevista, por telefone, à IHU On-Line, ele defende uma economia preocupada, principalmente, com a sociedade e com o meio ambiente e afirma que as ciências econômicas precisam dialogar com as demais ciências, já que a economia interfere no planeta e nos serviços ecológicos do qual todos nós dependemos.
Hugo Penteado é mestre em economia pela Universidade de São Paulo e trabalha no mercado financeiro há mais de 20 anos. É autor do livro Ecoeconomia – Uma Nova Abordagem (São Paulo: Lazuli, 2003).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Podemos dizer que os economistas são imediatistas?
Hugo Penteado – Com certeza. Temos uma ciência completamente autista em relação a vários problemas que estão surgindo, e que estão sendo acarretados por esta visão míope. Por exemplo, nos modelos dos economistas, não há uma só variável que inclua a contribuição dos recursos da natureza. Mesmo os recursos naturais tangíveis que são aqueles que podemos pegar, como metais, petróleo etc., são considerados até hoje, pela macroeconomia moderna, completamente irrelevantes para explicar o processo econômico.
Na verdade, os economistas consideram os bens da natureza como completamente livres, e a ideia de infinitude planetária como um princípio. Eles acreditam que a economia pode ser maior que o planeta e outros absurdos como, por exemplo, a crença que o planeta é um subsistema da economia, e não o inverso. A realidade física, biológica e ecológica não está sendo considerada pelas teorias. Temos que fazer uma inversão de eixos o mais rápido possível porque esse tipo de visão criou um conflito entre o sistema econômico e as pessoas com a natureza da qual dependemos. A realidade é que a economia e as pessoas são o subsistema do planeta, é justamente o inverso. E, portanto, ao não considerar isso, o problema é agravado pelas métricas, estas consideram os bens da natureza livres, o planeta infinito, então, nada disso tem menor apreço por estas questões.
Estamos vivendo uma das maiores externalidades ambientais do sistema, até para viabilizá-lo. Sem a inclusão dessas variáveis, o sistema está caminhando para um colapso total. É mais do que urgente que a economia mude esta visão. Já existem correntes teóricas contrárias há mais de 60 anos cujas teses e críticas jamais foram refutadas e, no entanto, os economistas teimam em manter a mesma visão de crescimento eterno das economias sem fazer nenhuma conta, o quanto de água e de solo fértil será necessário, lembrando que recursos são infinitos e estão ficando cada vez mais escassos no mundo todo.
IHU On-Line – O senhor disse recentemente em seu blog que o “Nobel de Economia” é um alerta para os economistas autistas. Pode nos explicar por quê?
Hugo Penteado – Em primeiro lugar, nenhuma crítica aos autistas, minha irmã mais velha é autista, e eu entendo muito bem como funciona um autista, infelizmente, ele não enxerga a realidade, e isso é tão forte que ele não é capaz nem de desenvolver a fala. O primeiro diagnóstico do autista é mudo-surdo, geralmente, se fizerem testes técnicos de audição vão encontrar o diagnóstico de surdez. O não contato com a realidade é a principal crítica aos economistas. Eles não têm contato com a realidade e não entendem que o problema ambiental não brotou do nada, e sim do sistema econômico, das ações diárias das pessoas, e que existe uma necessidade de mudança de paradigma. Não dá para encontrar uma solução para o problema que a humanidade enfrenta hoje dentro do paradigma atual. A insistência nesse paradigma é de transformar aquecimento global em oportunidade de negócios. Acho que esta é a principal mensagem, precisamos de uma mudança de paradigma, e a economia precisa ser uma ciência que se comunique com as demais ciências, pois ela interfere com o planeta e os serviços ecológicos do qual todos nós dependemos.
Não dá mais para assumir que a economia, como muitos economistas assumem sem saber, é neutra para a natureza. A economia tem uma raiz epistemológica mecanicista e, através dessa raiz, há um erro teórico, já reconhecido há mais de 60 anos, de que a economia simplesmente trabalha com a ideia absurda que é a falta de contato com a realidade, que eu falo autismo, onde o sistema econômico é neutro para o meio ambiente, e que o planeta é inesgotável. Esse tipo de visão da realidade é um confronto, ou os economistas mudam o paradigma ou ele irá mudar sozinho, o planeta já está revidando. A Austrália lançou recentemente um plano de evacuação da população costeira até 55 km da linha da costa para dentro, que irá se iniciar em dezembro de 2009. Cerca de 80% da população australiana vive na costa e está preocupadíssima com a mudança climática, uma vez que as evidências não podem mais serem negadas. Cerca de 80% do gelo das estações de esqui desapareceram, e lugares pobres como a Bolívia, que tinha estações de esqui famosas no mundo todo, perderam completamente o gelo de forma permanente. Não tem mais como negar que as mudanças climáticas estão em curso.
A Índia parou de produzir arroz, a Austrália parou de produzir leite, já temos uma série de eventos como a seca enorme da Amazônia em 2005, a forte onda de calor que matou milhares de pessoas na Europa, em 2003. Sobre os eventos climáticos recentes, nos anos de 2008 e 2009, ninguém prestou atenção, a mídia precisa fazer um esforço para mostrar isso cada vez mais claramente, pois são mudanças que estão ocorrendo e não estão sendo amplamente divulgadas.
IHU On-Line – O que falta aos economistas de hoje?
Hugo Penteado – Conhecimento das demais ciências, isso interfere com a biodiversidade e os ecossistemas. Precisamos ter conhecimentos das ciências mais puras como física, química e matemática, que são as bases das demais vertentes científicas. A ciência precisa ter uma melhor análise social, pois alegar que o crescimento econômico gera benesses. Isso nos países desenvolvidos, principalmente, através de uma concentração de riquezas gigante que vigora hoje no mundo rico. É preciso também transformar essa ciência, que é extremamente matematizada, em uma ciência social, o que deveria ser o objetivo maior. Quando decidi estudar economia, minha preocupação era com o aspecto humano, populacional e social. De repente, deparo-me com uma ciência que só trabalha com equações matemáticas totalmente desvinculadas da realidade, onde duas variáveis foram excluídas dos modelos dos economistas, que são as pessoas e o meio ambiente. Só isso eles excluíram dos modelos e vivemos o absurdo das pessoas servindo a uma economia ao invés de ter um sistema econômico que sirva às pessoas.
IHU On-Line – O que é a visão “in the box”?
Hugo Penteado – É a visão na qual a economia é considerada um superssistema, o planeta é considerado um subsistema, equivalente à visão que a humanidade já teve no passado de que a Terra era o centro do universo, e que o sol girava em seu entorno. Hoje, os economistas têm uma visão de que o planeta gira em torno da economia, e que a economia é o centro do universo. Na verdade, o planeta é o sistema maior, ele que dita as regras. Não temos a menor condição de interferir nas regras planetárias, temos apenas que negociar e dialogar bem com elas. Não tem jeito, não tem como alterarmos, só conversamos, vivemos e respiramos graças à biodiversidade e aos ecossistemas. Os primeiros relatórios sistêmicos da situação dos ecossistemas saíram nos anos de 2006 e 2008, o projeto Millennium Ecosystem Assessmen, a avaliação é simplesmente negra em relação ao impacto do que estamos fazendo. A crescente demanda sobre recursos cruciais como a água, por exemplo, é uma situação de que estamos caminhando para um cenário de ruptura na questão da água. Nem preciso dizer a importância da água, toda a vida depende dela. A água só existe porque existe a biodiversidade.
Esta é uma questão extremamente importante, da interdependência. Vivemos em uma sociedade individualista e vemos a interdependência como algo negativo, o exemplo da floresta Amazônica é bastante importante. Cerca de 50% da água da Amazônia vêm da evaporação dos oceanos e os outros 50% vêm da transpiração das florestas. A água da Amazônia só existe porque há floresta e a floresta só existe porque há água. É isso que estamos tentando fazer na Amazônia, e no cerrado a mesma coisa. O aquífero Guarani depende da existência do cerrado, se o cerrado desaparecer, a água morre; se a água morrer, a agricultura morre. Então dizer que eu preciso ter metas menos ambiciosas em relação ao cerrado e à Amazônia por causa da expansão agrícola é uma visão estanque, porque eu não levo em consideração complicações sistêmicas que têm efeitos alavancados. Nem precisa mencionar também o fato de se ter feedbacks positivos nos ecossistemas, e pontos a partir do qual os ecossistemas se autodestroem. O que a comunidade científica vem alertando é que a situação hoje é extremamente crítica. Acho que as informações e os alertas deveriam ser maiores para que as pessoas modificassem seus hábitos de hoje, que é de um extremo desperdício de tudo, de matéria e energia, como se isso fosse abundante e eterno. Não têm o menor compromisso com o planeta e nem com as gerações futuras. Todo transporte em cima de carro individual é um verdadeiro absurdo, o melhor meio de transporte é o coletivo ou andar a pé. São mudanças muito radicais, e não sei se a humanidade está preparada para fazer antes que alguma coisa mais grave ocorra.
IHU On-Line – Mas o fato de uma mulher como Elinor Ostrom ter recebido este prêmio pode indicar alguma mudança no pensamento econômico mundial?
Hugo Penteado – Não sei se isso seria um alerta. Eu tenho tentado conversar com economistas famosos, muitos nem me respondem, vários economistas do mercado financeiro como Jim O’Neil etc. para tentar mostrar que temos uma agenda econômica com variáveis escondidas que são muito mais importantes. O que os economistas precisam entender é que muitos itens extremamente importantes para a humanidade têm valor intrínseco, e não podem sequer serem valorados. Acreditar que o sistema de preços ou mecanismos de mercado vai criar uma regra que beneficie o meio ambiente é um verdadeiro absurdo. A maior parte do sistema métrico trabalha com a falsa ideia de que os bens da natureza não têm valor algum. Na verdade, todas essas métricas, o sistema de preços, o funcionamento do mercado atuam da seguinte forma: quanto mais viável economicamente for uma atividade, mais inviável ambientalmente ela é.
Existe uma lista enorme de exemplos nesta direção, basta ver o colapso das reservas pesqueiras do norte da Europa. Vários cientistas e governos alertaram as aldeias pescadoras para pararem de pescar, e não pararam, pois, quanto mais eles pescavam, além da reposição das reservas, menos peixes saíam, mais caro eles ficavam, e isso era um estímulo para continuarem pescando. Pescaram até o último peixe e causaram um desastre ambiental social gigante, o mais assustador da perda de reservas pesqueiras oceânicas, como é o caso dos países do norte da Europa que não teve retorno. Isso é uma perda definitiva. Estamos nos comportando de forma extremamente predatória. Temos as bacias hidrográficas no Brasil e é preciso ver que as tentativas de evitar que ocorra o colapso destas através da cobrança da água esbarra no seguinte argumento: se cobrarmos pela água a atividade fica economicamente inviável.
A pergunta é: mas se a bacia hidrográfica entrar em colapso por não estarmos cobrando pela eficiência do uso da água, a atividade também vai entrar em colapso? Temos um estado do norte nos Estados Unidos, que é uma miniChina, 99% de sua fonte energética é carvão, gerando uma poluição gigante neste estado, e se chegarmos para o governo desse estado e dissermos para mudar a matriz energética, a resposta será: se mudarmos a matriz energética, a atividade econômica fica inviável. Aqui já ouvimos de alguns políticos da região norte que não dá pra combater a atividade madeireira ilegal porque isso inviabilizaria a economia do estado. Temos agendas ocultas por trás do crescimento econômico que precisam vir à tona. Todo o impacto social, ambiental é amplamente ignorado e o imediatismo é total. Os governos estão pouco se lixando para o que vai acontecer, daqui a 20 anos, com as gerações futuras. As metas são de curto prazo, não temos a capacidade de incluir variáveis de longo prazo, o mercado financeiro, onde eu trabalho há mais de 20 anos, é um ótimo exemplo. O prazo do mercado financeiro é de apenas seis meses.
IHU On-Line – Se hoje nós temos posições insustentáveis, o que pode fazer com que o mundo seja sustentável?
Hugo Penteado – Cada um de nós, individualmente, tem uma contribuição muito grande para dar que é começar a olhar para os recursos de matéria e energia que utilizamos para viver, reduzindo maciçamente esse consumo, focando em relações sociais. Tem aquela proposta de consumo consciente de um instituto, que fala “não dê um presente, dê uma lembrança”. Precisamos nos desmaterializar, precisamos ter noção que cada recurso desperdiçado, além de ser extremamente karmático para todos nós, é um crime. Estamos cometendo, inconscientemente, um crime contra a sociedade, a humanidade, a biodiversidade, a natureza, o planeta ao implementar um consumo extremamente inconsciente. Tenho uma dica de um livro que acho muito interessante, do Daniel Goleman, autor do “Inteligência emocional”. Ele escreve um livro chamado “Inteligência ecológica” que é excelente, mostra o quanto somos ignorantes e o quanto precisamos de conhecimento para poder pressionar as empresas a realmente adotarem regras mais viáveis, do contrário a humanidade irá desaparecer.

Fonte: (Ecodebate, 09/11/2009) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação. [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

AMAZÔNIA E MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL(MFS)


Autor: Ticiane Rossi Publicação: janeiro 29, 2013 Em: Brasil | 
Terra Indígena, frutos da Pupunha e ribeirinhos no Rio Uatumã, Amazonas (Cortesia de Eduardo Rizzo Guimarães)

Manejo Florestal Sustentável (MFS) pode ser definido como uso da floresta para determinado fim, garantindo retorno econômico, benefício social e ganho ambiental da atividade. No mundo há cerca de 1,6 bilhões de hectares de florestas que são manejados de forma sustentável, segundo a Food and Agriculture Organization of United Nations (FAO), dados de 2010.
Em 12 anos de estudo, o engenheiro florestal Ederson Augusto Zanetti, consultor e ex-pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), elencou critérios e indicadores em 20 países para poder situar a Amazônia brasileira no contexto mundial de MFS. Na tese finalizada em 2012, Ederson concluiu que o Brasil, quando avaliado em sua totalidade, é o primeiro país do mundo em avanço do MFS.
“[O setor florestal brasileiro] ele é o mais atrativo do mundo em termos de investimento (…) esse setor tem avançado no Piauí, no Maranhão, em Tocantins; são estados que têm desenvolvido programas florestais de suporte à indústria, atração de investimento, geração de emprego e renda e (…) atraem investimento do mundo inteiro”, explicou Ederson.
Para a Amazônia brasileira, quando avaliada segundo os critérios e indicadores do estudo, a classificação do MFS na região cai para 7ª colocação. O consultor explica que o fato da legislação regional ser mais rígida e as alternativas silviculturas de outras regiões do país não poderem ser usadas na Amazônia causa exclusão social no processo de gestão florestal. Além disso, Ederson aponta que as tecnologias silviculturais na Amazônia são “arcaicas”.
“O corte seletivo com regeneração natural mina a produtividade da florestal, acaba com seu potencial genético”, diz Ederson.
A regeneração natural é uma forma de manejo florestal que seleciona as árvores de certo diâmetro para corte visando o aproveitamento da madeira. Entretanto, estas árvores são também fornecedoras de sementes e promovem variabilidade genética para a floresta. Uma vez que são retiradas, apenas algumas árvores maiores serão fornecedoras de sementes e a variabilidade genética é reduzida.
“A gente observa o sucesso das florestas no mundo inteiro: a grande maioria das plantações florestais é de espécies nativas”, argumenta.
No Brasil a grande maioria de plantações é de espécies introduzidas, em sua maioria eucalipto e pinus. Estima-se que estas duas espécies são plantadas em uma área de 6,5 milhões de hectares distribuídos em quase todos os estados do país, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Florestas Plantadas (ABRAF).
É importante salientar que Ederson não nega a importância do eucalipto como abastecimento de madeira para energia e outras finalidades, como polpa e papel, mas aponta que é preciso mais investimento em plantações de florestas nativas no sentido de se chegar ao manejo florestal sustentável no país.
Valorização socioeconômica na Amazônia
Segundo o estudo, o desenvolvimento do manejo sustentável da floresta amazônica precisa incluir as pessoas. Não apenas o ambiente precisa ser o foco, mas a geração de renda da população e inclusão social nas políticas públicas é parte do processo para que a Amazônia se desenvolva com o restante do país.
É prioritário o desenvolvimento da educação, saúde e saneamento básico na Amazônia, aponta Ederson.
“O principal problema [da Amazônia] é a exclusão social e econômica da região. Não é que a gente não precise cuidar do meio ambiente, mas esse cuidado ambiental já está muito bem feito. Precisa ter um cuidado social e econômico agora”, afirma o engenheiro florestal.
Conforme vimos em capítulos anteriores, o Índice de Desenvolvimento Humano da Amazônia profunda, onde as pessoas vivem de desmates e queimadas, iguala-se aos piores do planeta.
Ederson afirma que é necessário um desenvolvimento do mercado e da economia com inclusão social para valorizar a floresta em pé.
“A principal pauta é gerar um mercado forte e estruturado com inclusão socioeconômica nesse ambiente rico da Amazônia. A partir do momento que se gera condições para que as pessoas consumam produtos que venham das florestas tropicais de manejo sustentável e coloca-se esse dinheiro em funcionamento (…), vai gerar um interesse na continuidade do cultivo dessas florestas”, diz Ederson.
Mercados que valorizam a floresta em pé
Atualmente há um mercado que valoriza não apenas os produtos que provém da floresta, como a madeira. É o mercado de serviços florestais, que incluem a água, biodiversidade, carbono, entre outros.“O maior mercado que existe hoje no mundo é o mercado de créditos de água – projetos que vão garantir a qualidade de água no Brasil – isso é muito importante na região da Amazônia (…). A biodiversidade é o segundo maior mercado. O banco de biodiversidade de florestas tropicais da Amazônia brasileira pode garantir um fornecimento de material genético de grande qualidade no futuro. Esse é um dos pontos importantes da gestão desse território”, diz Ederson.
O mercado do carbono é outro que, segundo Ederson, é importante, se vinculado com as necessidades da sociedade e incentivo do mercado de valorização da produção florestal.
“Simplesmente as estratégias de REDD não vão trazer a solução necessária para implementar o desenvolvimento do manejo sustentável. A produção madeireira tem que ser incentivada. O consumo de madeira tem que ser incentivado e deve ser parte integrante dessas políticas de redução de desmatamento. A redução de desmatamento não é uma função de controle, mas é um incentivo para o mercado para valorizar a produção florestal e permitir que ela se mantenha ativa”, conclui.



sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

POR QUE ATÉ HOJE O CÓDIGO FLORESTAL GERA POLÊMICAS?

Lições retiradas do debate sobre o código florestal. Por que até hoje ele gera polêmicas?
16/1/2013 23:15
Por Marilza de Melo Foucher - de Paris
No verde, verde de medo, entre ciladas
E nos cipós ardentes das queimadas,
Enforca-se o uirapuru
Na clave de seu canto
(do poeta paraense Paes Loureiro)
Breve introdução
Quem já viajou pelas diferentes regiões do Brasil, pode constatar o quanto o Brasil é diverso e único. Diverso, por ser multicultural e pela sua biodiversidade, único pelo jeito do ser brasileiro em qualquer região, um povo alegre, hospitaleiro e o povo mais mestiço do planeta.


Código Florestal Brasileiro deixa, ainda, muitas dúvidas a serem consideradas sobre o modelo de desenvolvimento do país.
Durante muitos anos, tive a chance de viajar pelos vários Brasis que formam a geografia deste país de dimensão continental. Ou seja, o Brasil da Amazônia, o Brasil Centro-Oeste, O Brasil do Nordeste, o Brasil do Sudeste, o Brasil do Sul. Durante muitos anos, atuando na cooperação internacional ao desenvolvimento, encontrei muitos atores locais que lutaram pela democratização do Brasil e que até hoje travam um combate por outro modelo de desenvolvimento. Estes atores sociais estão no terreno da ação, estão presentes nos centros de pesquisas, nas universidades, nas ONGs, nos movimentos sociais, nas pastorais comprometidas. Foram eles que deram uma cara nova à chamada sociedade civil brasileira. Eles são testemunhos do Brasil que não deu certo.
Por isso, eles tentam, ao longo de muitos anos, alertar aos políticos, aos gestores do poder executivo, para que abandonem a visão economicista do desenvolvimento e se deem conta da realidade diversa e complexa que é o Brasil. Isto exige dos governantes um tratamento mais global desta questão e uma visão mais sistêmica do desenvolvimento.
Foi com estes atores que aprendi a conhecer melhor o Brasil (que eu deixei na minha tenra idade) e, até hoje, eles alimentam minha sede de aprendizado. Graças a eles, mesmo vivendo na França, mantenho-me atualizada sobre a situação sócio-econômica, política, cultural e ambiental do Brasil.
Hoje, considero-me uma cidadã franco-brasileira sem fronteiras. Viajo, via internet, sem precisar de passaporte. Guardo, todavia, dentre de mim, a identidade tropical de cabocla amazônica, nascida à beira do Rio Acre. Daí meu combate incessante pela defesa de um desenvolvimento territorial integrado que seja compatível com a diversidade ecológica, cultural, onde o econômico não seja o único fator predominante, tendo em vista que a economia deve estar a serviço do ser humano e do progresso social. Sem a prática de desenvolvimento territorial integrado e solidário, o código florestal brasileiro é inaplicável.
Antes de legislar sobre o Código Florestal, os parlamentares brasileiros e o governo da presidente Dilma Rousseff deveria ter ocupado mais tempo para aprofundar e repensar um novo modo de desenvolvimento e o ordenamento territorial do Brasil. A discussão poderia ter tido um envolvimento maior da sociedade brasileira. A grande questão que nossos governantes deveriam ter abordado antes de legislar sobre o código florestal seria: Somos nós capazes de organizar, a tempo e de modo participativo, a mutação para um novo modo de vida? Ou vamos passivamente assistir à destruição silenciosa da grande riqueza do Brasil, que é a sua biodiversidade? Este é o maior desafio a ser enfrentado pelo atual governo, diante da crise planetária econômico-ambiental.
Em síntese, cabe ao Estado brasileiro, republicano e democrático, instaurar uma governabilidade que esteja a serviço do desenvolvimento economicamente eficiente, socialmente equitativo e ecologicamente sustentável. Este tipo de desenvolvimento se funda na busca pela integração e coerência das políticas setoriais. Melhorar por exemplo, a legislação do código florestal, ultrapassa o jogo político partidário, tendo em vista que está em jogo a proteção da biodiversidade brasileira, associada a um novo modo de progresso.
O Brasil não pode ter um código florestal, ditado por uma concepção produtivista, que hoje se encontra ultrapassada, questionada no mundo inteiro, dado aos grandes danos que causou ao planeta Terra. O Brasil é, hoje, respeitado e considerado como grande potência por esta razão. Não pode perder a oportunidade, neste momento de crise do modelo neoliberal, de traçar os seus próprios caminhos. A ocasião é propicia para transformar a crise em oportunidade. Torna-se urgente que o governo federal, articulado com os governos estaduais e municipais, decida sobre um grande projeto de sociedade, um projeto de civilização, distinto do modelo produtivista baseado exclusivamente no crescimento econômico. Sua incompatibilidade com a preservação dos recursos naturais é, hoje, comprovada. Por que então persistir no erro?
Não negamos os esforços do governo brasileiro na tentativa de diminuir o desmatamento das florestas, entretanto, ainda há muito que se fazer na aplicação da legislação existente, embora permaneça o sentimento de que as conquistas no campo da preservação dos ecossistemas e da regulamentação do uso da floresta nem sempre são realizadas. O Brasil, enquanto signatário da convenção sobre a diversidade biológica de 1992, deve conciliar preservação ambiental com desenvolvimento. Não podemos nos esquecer dos herdeiros de Ajuri Caba, líder indígena na resistência aos portugueses, e dos Cabanos. As populações indígenas são os maiores defensores das riquezas naturais da Amazônia, de sua biodiversidade e da preservação de suas fronteiras. Afinal, os índios continuam sendo os guardiões naturais desse espaço de esperança!
Temos que levar em conta a riqueza da biodiversidade presente nas diferentes regiões brasileiras. Em cada região, existem ecossistemas naturais com alta diversidade de espécies vegetais e animais. Os debates sobre a reforma do código florestal, não fez mais do que acentuar as divergências com a sociedade civil e suas correntes representativas. O que se assistiu, até hoje, foram polêmicas intermináveis. De um lado, as discussões entre os representantes da corrente hegemônica, formada pelos defensores do agronegócio, pela direita ruralista que sempre defendeu o desenvolvimento produtivista e, de outro, os ambientalistas fundamentalistas, que não integram a dimensão global do desenvolvimento e por vezes são ultra-sectários. O campo ambientalista é diverso e existe no Brasil uma maioria que defende a ecologia política, a proteção do meio ambiente associado à concepção não compartimentada do desenvolvimento, ou seja, todos os setores se interagem na busca pela sustentabilidade, que não somente a econômica.
Viu-se, também, o posicionamento de alguns cientistas que tentaram abrir um espaço de reflexão. Muitos dizem, com toda razão, que esta discussão deveria ter sido mais pluridisciplinar. Logicamente, não se pode exigir que todo parlamentar detenha um super conhecimento, e legisle sobre qualquer sujeito. Por esta razão, antes de legislar, os políticos devem escutar os principais atores implicados e solicitar assessoramento de cientistas de várias áreas do conhecimentos. O Brasil sempre teve a reputação de ser um país que possui excelentes quadros de pesquisadores, basta para isto verificar os acordos internacionais existentes com universidades brasileiras e com os centros de pesquisas. Temos grandes especialistas em todas as áreas do conhecimento que poderiam ter fornecido subsídios científicos e tecnológicos, capazes de permitir o embasamento necessário para que o código florestal se adapte à nova realidade brasileira.
O Brasil tem a chance de dispor sobre uma intelectualidade engajada não somente no campo acadêmico e nos centros de pesquisas, parte dela está comprometida no campo da ação política transformadora. Além disso, eles asseguram uma produção cientifica permanente.
A complexidade da elaboração de um novo código florestal, além do rigor cientifico, exigiria um tempo maior de escuta, de intercâmbios de informações. A soma de saberes e sua socialização junto aos deputados e senadores poderiam ter contribuído para que o debate fosse além da modificação do Código Florestal. Ou seja, um debate prolongado, mesmo se 11 meses de audiências públicas fossem considerados suficientes para muitos. Entretanto, se levamos em conta as polêmicas geradas até hoje, é porque, talvez, muitas questões fundamentais não foram abordadas preliminarmente.
Entre elas, a necessidade de formular uma estratégia de planejamento para um melhor ordenamento territorial, atada a uma concepção mais integrada do desenvolvimento territorial brasileiro. Um modo de intervir compatível com a diversidade ecológica e cultural, onde o econômico não seja somente o único fator predominante, tendo em vista que a economia deve estar a serviço do ser humano e do progresso social. Esta seria a condição sine quoi non para modificar, em seguida, o código florestal, adaptando-o a uma nova realidade.
Marilza de Melo Foucher é doutora em Economia, especializada em desenvolvimento territorial integral e solidário, jornalista e correspondente do Correio do Brasil, em Paris.