quarta-feira, 30 de junho de 2010

Fragilidades do Processo de Urbanização Brasileiro

ANEXO DA DECISÃO Nº PL-0516/2010
Manifestação do Plenário do Confea sobre os desastres ocorridos no País em 2010.

A sociedade brasileira viu-se recentemente diante do grave problema de salubridade e segurança urbana constituído pelos alagamentos e deslizamentos ocorridos no Estado do Rio de Janeiro e em várias outras capitais e cidades brasileiras em 2010, que deixaram milhares de desabrigados e causaram a morte de centenas de pessoas.
Uma tragédia como essa tem ligação com a premente agressão ambiental operada pela sociedade contemporânea, mas, deve-se destacar, teve seus efeitos catastróficos ampliados pela falta de planejamento e de preocupação das autoridades para com esse problema, que toma forma na ineficiência da fiscalização devida, assim como pela ausência de uma efetiva engenharia pública, que garanta às populações mais carentes o acesso a serviços de infraestrutura com qualidade técnica assegurada. É notório o desaparelhamento técnico e o esvaziamento tecnológico nos municípios brasileiros, bem como a falta de gestão adequada na execução de obras e na implementação de políticas públicas e, apesar da capacidade dos meteorologistas brasileiros e de outros especialistas, nos investimentos em previsão e monitoramento.
O Estatuto da Cidade, em vigência há mais de 10 anos, impõe a obrigatoriedade da elaboração e aprovação de planos diretores a todas as cidades com população superior a 20 mil habitantes e a definição, naqueles planos, dos locais de moradia da população, e disponibiliza uma série de instrumentos para esta finalidade. Destarte, é inadmissível a alegação – por parte de qualquer autoridade local – de desconhecimento do fato de inúmeras famílias residirem em moradias precárias, localizadas em áreas de risco, em várias cidades brasileiras, sujeitas às intempéries.
No âmbito da presente discussão, ganha relevância a Projeto de Emenda Constitucional – PEC 285/2008, que propõe que a política de habitação adquira o caráter de política de Estado, ao dispor a destinação de parcelas das receitas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios à universalização de moradias dignas a todos os cidadãos brasileiros. A PEC teve aprovação da Comissão de Constituição e Justiça e seu relatório publicado em 24 de outubro de 2009 e está, desde então, aguardando a oportunidade para ir a debate e votação. O Confea, por sua vez, através da Decisão Plenária 1495/2009, manifestou apoio à PEC, bem como à Campanha pela Moradia Digna, no que foi acompanhado por todos os Conselhos Regionais e demais entidade do Sistema.
Fato é que o atual modelo de crescimento e de ocupação urbana nos conduziu à situação que ora se apresenta e que, se mantivermos o mesmo modelo, vivenciaremos, no futuro, eventos de maior gravidade.
Diante do atual quadro, o Confea defende a implementação nas cidades brasileiras de um planejamento estratégico contextual e integrado entre as diferentes áreas do conhecimento, e a implantação de planos para o gerenciamento e a prevenção nas áreas de risco, ambientalmente degradadas, com previsão, ainda, para a montagem de equipes técnicas qualificadas, que informem a localização e o grau para cada situação apresentada, isso complementado por sistemas de alerta, da retirada provisória da população e de atendimento emergencial, de forma a acabar com a vulnerabilidade das famílias que hoje vivem nessas áreas. O Confea defende também o controle geotécnico das encostas e a fiscalização eficiente da ocupação do solo e o monitoramento e contenção de cheias e de encostas, e de serviços integrados de meteorologia que permitam a correta e útil gestão das informações. Por fim, o Confea ressalta a importância da implementação dos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade, que devem ser inseridos nos Planos Diretores dos municípios, a fim de garantir um eficaz planejamento urbano e, em especial, o direito universal à moradia digna.

terça-feira, 29 de junho de 2010

As Mudanças Propostas no Código Florestal: Nota Técnica e Política

23 junho 2010 2 Comentários, http://pagina13.org.br/?p=2828
Por Gerson Teixeira[1] e Alessandra Cardoso[2]

1. Considerações Políticas
Após vários meses de consultas, debates e estudos, o Deputado Aldo Rebelo divulgou o seu Relatório ao Projeto de Lei 1876/99 e seus apensos, oferecendo Substitutivo que reforma o Código Florestal (Lei 4.771/65).
O conteúdo da proposta não surpreendeu vez que confirmou posicionamentos já antecipados pelo parlamentar. O que chamou a atenção no Relatório foi o recurso a um alentado, cansativo e tortuoso esforço de erudição para tentar convencer que a flexibilização da legislação ambiental sugerida pelo Substitutivo atende a propósitos libertários, soberanos, sociais e desenvolvimentistas do país.
Sob aplausos das lideranças mais conservadoras da bancada ruralista, o texto do Relator abundou em citações de clássicos do pensamento socialista, entre filósofos, historiadores, sociólogos, poetas e romancistas para, dessas fontes indefesas, extrair substrato de esquerda para respaldar a constituição de uma base minimalista para a legislação ambiental brasileira.
Em caso de chancela pelo Congresso, e homologação pelo Presidente, a proposição do Deputado Aldo Rebelo estará direcionada para um único objetivo; desimpedir o terreno institucional das “cautelas ambientais” para a expansão do agronegócio e, associadamente, da economia mineral. Em particular, o Substitutivo visa à garantia dessas condições na grande fronteira mineral e do agronegócio do Brasil: a Amazônia.
A este respeito, vale assinalar que na perspectiva dos setores produtivistas da agropecuária são três os pontos tidos como asfixiantes para a plenitude da capacidade produtiva primária do país, em especial, enfatizamos, na Amazônia.
O primeiro refere-se à garantia da segurança jurídica para o empreendimento empresarial no que tange à legalização da posse da terra. Isto vem sendo buscado, na Amazônia, por meio da nova política de regularização fundiária em execução via o programa Terra Legal. A exemplo das alterações agora pretendidas na legislação ambiental, o programa de regularização fundiária previsto pela Lei 11.952/09, tem efeitos nacionais, mas fundamentalmente alcança a Amazônia. Da mesma forma, trata-se de legislação fortemente permissiva aos interesses dos ruralistas e das mineradoras.
O segundo ponto considerado como trava estrutural ao desenvolvimento dessa região, como de resto, de todo o país, está associado justamente aos efeitos restritivos imputados à legislação ambiental. Ocorre que, por exemplo, o Código Florestal já existe desde 1965, mas sempre foi desrespeitado impunemente. À medida que os avanços na democratização do país e da consciência ambiental da população não permitiram mais a continuidade do desrespeito ostensivo e impune ao Código Florestal, os ruralistas passaram a responsabilizá-lo pelos seus crimes fulminando a Lei como conspiratória contra o desenvolvimento do Brasil.
O terceiro fator tido como impeditivo do projeto econômico para a Amazônia são as deficiências de infra-estrutura. O PAC tem a missão de enfrentá-las ‘pavimentando e energizando’ as exportações de bens primários da região pelo Pacífico, via a articulação com as obras da IIRSA, notadamente na conexão com o Peru.
Essas demandas nucleares da agenda da militância ruralista ganharam adeptos em importantes setores do governo e da sociedade, inclusive na intelectualidade de esquerda, à medida que, para além das motivações seccionais dos ruralistas, tais medidas são instrumentais do pensamento estratégico para o país, já em desenvolvimento.
Ocorre que prosperou no período recente atitude pragmática do Brasil diante da divisão internacional do trabalho estabelecida, que reafirma a nossa tradição primário-exportadora enquanto fornecedores, na atualidade, de proteínas animal e vegetal no caso das commodities agrícolas.
Ante essas circunstâncias, reforçada pela convicção sobre a irreversibilidade da estrutura protecionista da agricultura (vide o ‘empacamento’ da Rodada Doha, desde 2001), em atitude pragmática, sem ignorar a crítica histórica a essa duvidosa vantagem comparativa do país, o Brasil tem adotado estratégia para tirar o máximo proveito deste papel no plano global. Não é à toa o estímulo massivo dado pelo BNDES para a constituição de empresas brasileiras do agronegócio, chamadas de ‘classe mundial’, com o objetivo de disputar o mercado agrícola internacional com competidores de qualquer porte.
Neste contexto, para garantir a ordem institucional perseguida, o Substitutivo de Aldo Rebelo propõe a descentralização de normas ambientais do país, extrapolando as condições jurídicas atribuídas às matérias objeto de legislação concorrente, como é o caso da legislação ambiental. Trata-se de uma tentativa de generalização do Código Ambiental de Santa Catarina visando diluir a capacidade de pressão da sociedade organizada pela preservação do meio ambiente e, de outra parte, fortalecer o lobby corporativo do agronegócio e das empresas mineradoras sobre os estados.
Na direção acima, a proposta isenta segmentos produtivos de responsabilidades básicas com a preservação ambiental. Anistia delitos das grandes mineradoras e latifúndios. É rico em dispositivos artificiosos que sugerem virtuosismos onde há liberalidades perniciosas ao meio ambiente, e transfere para o domínio privado, decisões sobre condutas ambientais que são inerentes ao poder regulador do Estado, entre tantas outras anomalias a seguir comentadas.
A razão política para essa flexibilização das normas ambientais guarda estreita semelhança com o caso da institucionalização dos transgênicos no Brasil. Ante a frouxidão dos controles públicos, incentivou-se a massificação do crime, valendo-se do chamado ‘fato consumado’ como justificativa para a sua institucionalização.
No caso do desmonte proposto para o Código Florestal, o Relator foi particularmente pródigo no uso de robustas estatísticas, sem as fontes, para argumentar sobre situações generalizadas de irregularidades ambientais, cujos eventuais reparos resultariam em supostas instabilidades sociais e imporiam riscos até para a segurança alimentar da população brasileira - caso do arroz no Sul, por exemplo.
Com o respaldo desse conveniente ‘fato social’, o Relator utilizou com esmero expedientes insubsistentes ou mesmo ardilosos para angariar apoio político à sua proposta.
Apelou para discursos nacionalistas e xenófobos, pelos quais, as ONGs ambientalistas que contestam a reforma do Código Florestal estariam a serviço do protecionismo agrícola dos países ricos e, portanto, contra os interesses nacionais. Tal discurso parece de todo grotesco, até porque são os capitais externos que controlam, inclusive, a base primária do agronegócio no Brasil.
Ao isentar os pequenos agricultores das reservas legais, além de visar a cooptação desses setores, alinhando-os ao agronegócio, pretendeu rachar as resistências à sua proposição, isolando e estigmatizando as entidades ambientalistas e outras entidades da sociedade engajadas nas causas do desenvolvimento sustentável.
Por fim, mas não por último e conforme assinalado antes, articulou o discurso da reforma do Código Florestal com os imperativos do desenvolvimento do país. Num momento em que o país volta a experimentar um ciclo importante de crescimento após longos anos de estagnação este é um forte apelo.
Inclusive, por conta desse fator, seria simplório e injusto o julgamento liminar das atitudes do Relator como uma guinada ideológica para as hostes ruralistas ou como gesto de oportunismo eleitoreiro. É provável que as motivações do parlamentar reflitam as influências do pensamento estratégico pregado pelo ex-ministro Mangabeira Unger.
De todo o modo, se a proposição do Relator não está movida pela adesão aos impulsos devastadores próprios da cultura do agronegócio, e sim pelo convencimento pessoal sobre a concepção desenvolvimentista pragmática, a amenização do seu ônus político pessoal não altera os efeitos substantivos da sua obra política.
2. Análise das Principais Medidas do Substitutivo
A seguir, listamos e comentamos as principais medidas propostas pelo Substitutivo com algumas estimativas dos impactos correspondentes.
I – Medidas que garantem uma redução imediata das exigências ambientais atuais:

1) Desobrigação da manutenção de reserva legal pela pequena propriedade. Com base nos dados de minifúndios e pequenas propriedades rurais constantes das Estatísticas Cadastrais do Incra, esta medida implicaria que imóveis que acumulam área de 113.168.506 hectares em todo o país podem ficar livres da obrigação de manterem reserva legal.
Para uma simulação aproximada dos impactos dessa medida, considere-se que pelo Censo Agropecuário 2006, a agricultura familiar (que não coincide com pequena propriedade[3]), dispõe de 8.119.041 hectares com matas nativas declaradas como áreas de RL (reserva legal) e APP (áreas de preservação permanente), no conjunto. O Censo não disponibiliza os números específicos de APP e RL. Todavia, conforme veremos na sequência, cálculos a partir das variáveis disponibilizadas pelo Censo permitem concluir que do valor conjunto de APP e RL em escala nacional, em torno de 60% constituem RL, e 40%, APP. Aplicando-se essas proporções sobre os números da agricultura familiar, conclui-se que 4.871.425 de hectares (60% de 8.119.041) de matas nativas registradas pelo Censo Agropecuário estariam ameaçadas de imediato pela eventual transformação, em Lei, do Substitutivo.
Na Amazônia, ainda segundo o Incra, imóveis que acumulam área de 33.695.025 hectares, entre minifúndios e pequenas propriedades, estariam livres da obrigação de manterem reserva legal. Nesta região foram registrados pelo IBGE nos estabelecimentos da agricultura familiar, 4.222.946 hectares de APP e RL.
Aplicando a proporção anterior, tem-se que 2.533.768 hectares de RL atualmente existentes na agricultura familiar na Amazônia estariam automática e imediatamente ameaçados.
Comentamos, antes, sobre as reais motivações do Relator para tal expediente. Os pequenos produtores que sabidamente utilizam práticas muito mais próximas da responsabilidade ambiental por certo não reivindicariam tal imunidade. Contudo, incumbe ao Poder Público a subvenção desses setores pela preservação ambiental como ocorre em outros países. Isto poderá ser viabilizado, entre outros instrumentos, com, a aprovação da legislação sobre PSA (Pagamento sobre Serviços Ambientais);
2) Inclusão das APPs no cômputo das RLs. Por exemplo, se uma propriedade que tenha a obrigação legal de manter 20% da sua área como RL, tiver 10% deste imóvel com APP, a área efetiva de RL obrigatória passa a ser de 10% do imóvel. O Substitutivo estabelece como condição para utilização deste recurso a não liberação de novas áreas de mata nativa para ocupação. Ou seja, a medida visa preferencialmente reduzir a conta das áreas de RL que estão hoje ilegalmente desmatadas e ocupadas, premiando aqueles que descumpriram a legislação ambiental. Isto não significa que aqueles mantiveram a integridade da reserva legal não teriam benefícios. Pelo contrário, conforme mostraremos adiante estes casos também seriam beneficiados de várias maneiras.
À medida que é impossível sabermos o total exato das áreas de RL já desmatadas, não se pode estimar os impactos reais dessa proposta.
De acordo com o IBGE, há no Brasil (posição de 2006), 93.982.304 hectares com matas e ou florestas naturais. Nestas, estão incluídos 50.163.102 hectares de áreas destinadas à APP e RL, em conjunto.
Fazendo os cálculos requeridos com as demais variáveis apresentadas pelo IBGE chega-se à conclusão que a área de RL corresponde a cerca de 60% dessa área, em torno de 29.180.333 hectares, e 40% seriam área de APP: 20.982.769 hectares.
Com base nesta aproximação, e apenas para fins didáticos de compreensão da medida, no limite, teríamos uma anistia das áreas de RL ilegalmente desmatadas nas reservas legais, que poderia alcançar até 20,9 milhões de hectares. Ressalve-se que estamos desconsiderando as áreas dos pequenos, desobrigadas de RL, e ressaltando, ainda, os problemas de confiabilidade dos dados declaratórios do Censo.
Na Amazônia, há 25.932.381 hectares de áreas com RL e APP. Aplicando-se os cálculos anteriores, teríamos área de RL = 15.559.429 hectares e de APP = 10.372.952. Repetindo a hipótese adotada antes, teríamos, então, que na Amazônia, a área anistiada variaria na faixa dos 10,3 hectares.
3) redução para 15 metros da área de preservação obrigatória às margens de cursos d´água de menos de 5 metros. No atual Cód. Florestal a margem obrigatória é de 30 metros para cursos d´água com menos de 10 metros. Não se dispõe de informações sobre áreas margeadas por cursos d´àgua, muito menos estas áreas estratificadas por largura dos cursos. Contudo, em que pese a aparente razoabilidade técnica da proposta, é válido supor sobre o impacto significativo desta medida em termos de redução de APP em todo o Brasil.
II – Medidas que levam à redução das exigências ambientais via descentralização da legislação.

1) Possibilidade de os estados reduzirem em até 50% as faixas marginais de APP. Esta redução poderá ser feita por legislação estadual concorrente fundamentada em estudos técnicos. Uma vez reduzida, esta área menor é que seria efetivamente considerada para fins do Programa de Regularização Ambiental – PRA previsto pelo Substitutivo. O PRA incluiria medidas (altamente subsidiadas, como veremos) de recomposição de áreas de APPs já cortadas pela metade. Legalmente, instituído o PRA, no horizonte de 05 anos, que é o prazo dado de moratória da supressão de florestas nativas, novas áreas que hoje são de APP estariam legalmente disponíveis para ocupação.
Como já dito, no Brasil os cálculos aproximados mostram a existência de 20.982.769 hectares de APP, nos dias atuais (posição 2006). É de se supor que com esta proposta de redução, 50% desta área passariam a estar desobrigada de manutenção da vegetação nativa.
Observe-se que, num primeiro momento, computa-se a APP na RL. Depois, se reduz a APP em 50%.
2) Possibilidade de os estados da Amazônia Legal aprovarem legislação, amparada em Zoneamento Ecológico-Econômico, visando a redução das áreas de RL. A redução prevista é para até 50% nas áreas de formação florestal (onde hoje são 80%) e para até 20% nas áreas de formação savânica (onde hoje são 35%). Neste caso, o texto não condiciona explicitamente a redução à não incorporação de novas áreas para exploração agropecuária. Ou seja, aprovada a redução e transcorrido o prazo de 05 anos de moratória para o desflorestamento (que poderão por ato dos governos estaduais e DF ser estendido por mais 5 anos), as áreas de RL na Amazônia Legal poderão ter sua vegetação legalmente diminuídas na proporção de 30% para áreas de florestal e 15% para áreas de sanava. No caso do bioma Amazônia, poderemos ter a liberação para desmatamento legal, de 4.667.829 hectares.
A proposta em apreço do Substitutivo aplica, para os setores da média e grande propriedade da Amazônia, o que a legislação atual prevê para os pequenos, os quais, como vimos, passariam a ser liberados de manterem RL.
III – Regularização ambiental.
No horizonte de 05 anos a União, ou os Estados, terão Programas de Regularização Ambiental – PRA, nas áreas de suas jurisdições. Estes programas se encarregarão de criar mecanismos e condições facilitadas para que os proprietários e possuidores de imóveis que não possuírem as áreas devidas (depois de todas as reduções) de APP e RL possam regularizar sua situação ambiental. Para isto deverão no caso das áreas de APP, recompor a vegetação
No caso das áreas de RL, a regularização poderá ser feita por três mecanismos:
1) recomposição, no período de até 30 anos podendo intercalar espécies nativas e exóticas. A possibilidade de recomposição com espécies exótica atende, como é sabido, ao lobby do agronegócio da Amazônia, especialmente dos setores ligados ao dendê, carvão vegetal e celulose.
2) compensação, que pode se dar por vários mecanismos: comprando Cota de Reserva Ambiental – CRA; arrendando área de RL de outra propriedade ou área sob regime de Servidão Ambiental; doando ao poder público uma área localizada em unidade de conservação não regularizada; ou ainda, contribuindo para um fundo público para preservação ambiental. Enfim, poderá tomar a decisão que obviamente implicar em menor custo.
3) simplesmente permitir a regeneração da área.,
O X da questão: por efeito cumulativo das medidas de flexibilização previstas no Substitutivo, supõe-se que a obrigatoriedade da regularização ambiental incidirá somente sobre aquelas áreas remanescentes das medidas de flexibilização do cálculo de APP e RL.
Ou seja, tomando-se o exemplo de um imóvel em área de floresta na Amazônia teríamos como área objeto da regularização aquelas restantes das reduções (resguardadas as condicionalidades já registradas): 15 metros de margem de APP, se a mesma estiver preservando cursos d´água com menos de 5 metros de largura + redução de até 50% para cada faixa de área de APP + redução para até 50% da área de reserva legal.
Com isto, reduzem-se as áreas de APP e RL, e ampliam-se, na mesma proporção, na maior parte dos casos, as áreas para exploração agrícola ou pecuária.
Além disto, na definição do PRA e dos seus mecanismos estão embutidas possibilidades de socialização dos custos da regularização daquilo que sobrar de APP e RL (depois das flexibilizações propostas), vejamos:
1) Enquanto não criado e efetivado o programa as áreas ilegalmente desmatadas de APP e RL poderão permanecer em uso para agropecuária e, também, os detentores dos imóveis poderão suspender os compromissos assumidos junto ao poder público de regularização ambiental.
2) O programa “exime áreas rurais consolidadas das medidas previstas para recuperação de APP”.
3) O programa deverá disponibilizar recursos públicos para garantir os meios e estímulos necessários para a regularização. Ao proprietário desmatador caberá uma “contribuição” (possivelmente diminuta), proporcional ao seu dano em extensão e dano ambiental. Ou seja, parte do ônus (tão maior quanto maior o poder de barganha dos ruralistas) recairá sobre o Poder Público.
Entre os estímulos previstos no PRA estão: i) suspensão das autuações e multas por infrações ambientais já havidas (até 22 de junho de 2008); ii) conversão das multas, que vierem a ser aplicadas entre a publicação da lei e a adesão do proprietário/possuidor ao programa, em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente;
IV – Medidas adicionais
Para finalizar, o substitutivo prevê estímulos adicionais para premiação também daqueles que mantiveram a integridade da reserva legal nos termos da lei atual, por meio de programas do Poder Público de pagamento por serviços ambientais.
Ou seja, reduzidas as áreas obrigatórias de RL por meio das várias medidas de flexibilização já tratadas, toda a área que daí sobrar e que estiver coberta com mata nativa poderá se converter em Cota de Reserva Ambiental – CRA, e ser transacionada com estímulos fiscais e creditícios.
Entre os incentivos econômicos para estimular a constituição de Cotas de Reserva Ambiental estão: crédito rural subsidiado; limite maior de financiamento; redução do Imposto de Renda-IR para investimentos que visem ampliar áreas de floresta passíveis de constituição das CRA; redução do IR referente ao ganho de capital com a comercialização das CRA; isenção do IR decorrente da sua cessão onerosa.
________________________________________
[1] – ex-presidente da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária)
[2] Assessora do INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos)
[3] – O Substitutivo usa o conceito da pequena propriedade que é distinto do conceito de agricultura familiar, embora na prática os conceitos sejam muito próximos. Contudo, com os dados disponíveis sobre a pequena propriedade (Cadastro de imóveis do INCRA) não é possível identificar áreas de RL e APP. Por isto, para efeito de simulação, utilizamos os dados de agricultura familiar disponibilizados pelo Censo Agropecuário, dado que o mesmo fornece dados de APP e RL, ainda que agregados.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Posição das Organizações de Conservação Ambiental

Caríssimos,

Vira e mexe ouvimos e lemos comentários, em alguns casos acusações, de que o principal motivador das organizações de conservação ambiental, especialmente as que possuem atuação internacional, seria simplesmente defender os interesses dos países desenvolvidos, suas empresas e seus negócios, em detrimento do desenvolvimento do Brasil. Há toda uma "teoria mitológica da conspiração" em torno desse tipo de crítica, da qual o deputado Aldo Rebelo é apenas o mais recente adepto.

Recentemente fui procurado por uma jornalista para opinar sobre uma iniciativa de alguns grupos de representantes do agronegócio dos Estados Unidos, chamada "Farms here, Forests there", que apresenta uma campanha supostamente pintada de verde, mas que na verdade se caracteriza claramente como o mais deslavado "eco-oportunismo". O lema seria algo como "vamos concentrar e intensificar a produção rural aqui nos EUA e deixar que nos países tropicais, Brasil incluído, eles apenas protejam florestas".

Em minha entrevista, mesmo sem conhecer detalhes sobre a tal campanha, eu obviamente desanquei tal iniciativa, por ser um completo absurdo!

Pois bem, eis que agora me chega um posicionamento formal de algumas organizações, o qual está sendo amplamente divulgado por elas pela grande rede. Quero compartilhar o mesmo com os amigos florestais, com os destaques em vermelho de minha autoria, para ajudar a desmistificar certas opiniões que se apresentam como verdades absolutas, mas que não passam de mitos.

É bom para percebermos que, como dizia um amigo meu, peixe é peixe, boi é boi, e peixe-boi é uma outra coisa beeem diferente!

Vejam a mensagem abaixo. Saudações, Beto Mesquita.

Esclarecimento sobre o Relatório "Fazendas Aqui, Florestas Lá - Desmatamento Tropical e Competitividade Norte-americana na Agricultura e na Madeira”, elaborado pela organização Parceiros para o Desmatamento Evitado (Avoided Deforestation Partners’)

As organizações signatárias desta carta reconhecem que colaboraram recentemente com a organização “Parceiros para o Desmatamento Evitado” (Avoided Deforestation Partners) em prol da criação de uma legislação norte-americana de mudanças climáticas, inclusive para que esta tenha incentivos para reduzir o desmatamento tropical. Entretanto, rejeitam a
hipótese de que a conservação da floresta tropical possa constituir uma vantagem competitiva para a agricultura norte-americana frente à concorrência dos países em desenvolvimento no mercado de commodities agrícolas. As organizações não se associam e não endossam as conclusões do relatório, que são de inteira responsabilidade da organização “Parceiros para o Desmatamento Evitado” (Avoided Deforestation Partners).

As organizações signatárias entendem que, para reduzir significativamente ou mesmo interromper o desmatamento das florestas tropicais, será necessário prover incentivos econômicos aos países em desenvolvimento, inclusive aos produtores, para manter a
cobertura florestal nativa. Ao mesmo tempo, deve-se intensificar a produção agrícola em terras já desmatadas e/ou degradadas, bem como a consolidação do manejo florestal sustentável.

No entanto, salientamos que essa estratégia só terá êxito se beneficiar tanto os países tropicais quanto os não tropicais. O relatório "Fazendas Aqui, Florestas Lá - Desmatamento Tropical e Competitividade Americana na Agricultura e na Madeira”, elaborado pela organização Parceiros para o Desmatamento Evitado (Avoided Deforestation Partners’), identificou os benefícios potenciais de tal mecanismo para os produtores norte-americanos, mas não destacou os benefícios para os países tropicais – que podem ser substanciais. Nota-se que o relatório é baseado na suposição, totalmente infundada, de que o desmatamento nos países tropicais poderá ser facilmente interrompido, e suas conclusões são, por conseguinte, igualmente irrealistas.

Diversos estudos científicos comprovam que para reduzir o desmatamento é necessário aumentar a competitividade da produção agrícola fora da fronteira da floresta. Grandes países tropicais contam com grandes áreas rurais subutilizadas onde se deve aumentar a produtividade da agropecuária sem aumentar o desmatamento.

As organizações signatárias reconhecem que a redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento das florestas tropicais é fundamental para estabilizar o clima global. Entretanto, tal esforço só fará sentido quando os Estados Unidos – e os países desenvolvidos como um todo -, começarem a reduzir substancialmente
as emissões provenientes de todos os setores da sua economia.

É por esta razão que estas organizações apoiam o estabelecimento de uma legislação norte-americana sobre mudança climática com metas ambiciosas de redução de emissões. Também entendem que estabelecer um mecanismo de incentivos para a redução das emissões resultantes do desmatamento e da degradação florestal poderá colaborar para que o esforço global de redução de emissões de gases de efeito estufa seja rápido e efetivo,
ao mesmo tempo em que beneficia os países tropicais, comunidades locais, os povos da floresta e os agricultores.

Conservação Internacional
Environmental Defense Fund
National Wildlife Federation
The Nature Conservancy

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Uma Análise Sobre a Formação de Engenheiros no Brasil

Muito Interessante! Serve para refletirmos sobre a nossa formação e o nosso papel como profissionais. A Eng. Florestal tambem tem enfrentado crise semelhante. Nossos profissionais são muito mal formados, mesmo considerando o fato de que não somos a Engenharia que mais exige conhecimento em matemática. O que mais vejo é anúncio de vaga para Eng. Florestal....me respondam agora porque essas vagas nao são preenchidas, e, quando são, contratam-se, na maioria das vezes, péssimos profissionais?

Atenciosamente

Ayuni Larissa Mendes Sena
Engenheira Florestal, graduada pela Universidade de Brasília - UnB, mestranda em Manejo Florestal pela Universidade Federal de Lavras - UFLA

Analista Ambiental IBAMA - DILIC/COEND.
CREA DF 15994/D


PAÍS PERDE US$ 15 bi COM MÁ FORMAÇÃO DE ENGENHEIRO, Este Valor é estimativa dos prejuízos com falhas nos projetos de obras públicas!

A baixa qualidade do ensino médio, sobretudo em disciplinas como física, química e matemática, tornou-se obstáculo para a formação de engenheiros no Brasil. Essa falha, agravada pela alta demanda gerada com o crescimento do país, tem custo - e não é pequeno.
Cálculos de entidades de engenharia mostram que o país perde US$ 15 bilhões (R$ 26,5 bilhões) por ano com falhas nos projetos das obras públicas. A cifra, equivalente a 1% do PIB, foi apresentada em encontro nacional de engenheiros, em Curitiba, na semana passada. A reunião levou à capital do Paraná 850 engenheiros de todo o país com o único propósito: buscar meios de frear a crise sem precedentes da engenharia nacional.

Guerra

A CNI (Confederação Nacional da Indústria) calcula que 150 mil vagas de engenheiros não terão como ser preenchidas até 2012. Tamanha demanda diante da falta de profissionais criou uma guerra por engenheiros. Em 2003, a formação de um engenheiro custava US$ 25 mil. Hoje, US$ 40 mil, diz a IBM, uma das empresas que mais contrataram engenheiros e técnicos de computação desde quando o Brasil tornou-se base mundial para oferta de serviços.
Essa escassez já atinge a competitividade brasileira. "Em 2009, exportamos US$ 1,5 bilhão em serviços. Só a IBM respondeu por US$ 500 milhões. A Índia exportou US$ 25 bilhões", disse Paulo Portela, vice-presidente de Serviços da IBM, em seminário promovido pela Amcham, em São Paulo. "Essa disputa [por engenheiros] não ajuda. Vamos perder se entrarmos numa guerra e ampliar a inflação dos custos da mão de obra." O salário inicial, de R$ 1.500 em 2006, já atinge R$ 4.500.

Evasão

O diagnóstico da realidade nos 1.374 cursos no país mostra que a evasão nos cursos de engenharia é de 80%; dos 150 mil que ingressam no primeiro ano, 30 mil se formam.
"Só um 1 em cada 4 possui formação adequada. O Brasil forma menos de 10 mil engenheiros com competência e esses são disputados pelas empresas", diz José Roberto Cardoso, diretor da Escola Politécnica da USP, uma das mais importantes faculdades de engenharia do país. A Amcham (Câmara Americana de Comércio) quer o tema na campanha eleitoral. O documento com o diagnóstico e as propostas compiladas por Jacques Marcovitch, professor da USP e conselheiro do Fórum Econômico Mundial, será entregue ao governo e aos candidatos.
É certo que ficará para o próximo governo a busca da resposta para a pergunta: "Por que o jovem quer ser médico e advogado e não quer ser engenheiro e professor de matemática?". Exemplo de baixa procura pela área ocorreu em concurso para professor de física em São Paulo. De 931 vagas, só 304 foram preenchidas.

Sem oferta, indústria "caça" Engenheiro

Pesquisa do Ibope encomendada pela Amcham aponta que 76% das empresas no Brasil possuem programas de treinamento e formação de mão de obra. Boa parte desses gastos assegura o futuro engenheiro na companhia. A mineradora Vale, que só em 2010 prevê investimento total de US$ 12,9 bilhões, deu escala a esse modelo.
A mineradora criou cursos de pós-graduação para atrair engenheiros com até três anos de formado. Cada um recebe bolsa de R$ 3.000 para especialização em engenharia de mina, ferrovia, porto e agora pelotização (transformação de finas partículas de minério em pelotas).
Marcelo Brandão, engenheiro ambiental, e Fabio Witaker, engenheiro mecânico, são exemplos recentes. Foram contratados em fevereiro depois de curso intensivo de engenharia ferroviária. Aproximar-se da academia tem sido a solução. A montadora General Motors é uma das empresas mais agressivas nesse campo. Com a instalação no Brasil de 1 dos 5 centros mundiais de desenvolvimento de produto, a montadora teve de ampliar de 600 para 1.300 o número de engenheiros.

Acordo

Um acordo com a Escola Politécnica da USP, um dos principais centros de formação de engenheiros no Brasil, deu à GM uma vantagem. Os estudantes de engenharia da Poli aprendem a desenhar carros no sistema GM de projetar veículos. "Quando esses estudantes saírem da universidade, estarão prontos, com parte do treinamento executado", diz Pedro Manuchakian, vice-presidente de Engenharia de Produtos da General Motors na América do Sul.
Com planos para criar centros de pesquisa no Brasil, General Electric e IBM correm para atrair profissionais. A IBM vai repatriar 50 cientistas brasileiros. O novo laboratório anunciado há duas semanas exigirá cem cientistas, alguns dos quais engenheiros. "É uma operação de guerra", disse Paulo Portela, vice-presidente de Serviços da IBM. De 3.800 funcionários em 2003, a IBM expandiu para 21 mil. A empresa já treinou 60 mil pessoas, das quais contratou 10 mil.

Conteúdo Nacional

A GE também tem planos igualmente fortes no país, sobretudo para ampliar o conteúdo nacional de componentes usados em seus equipamentos. A empresa também anunciou um centro de pesquisa no país, onde contratará 150 engenheiros. Segundo Alexandre Alfredo, diretor de relações institucionais, a companhia foi buscar profissionais em quatro universidades: as paulistas USP e Unicamp e as federais do Rio e de Minas Gerais.

Governo quer reduzir evasão nos cursos

A principal meta do governo nos próximos três anos é elevar de 30 mil para 40 mil o número de graduados em engenharia no Brasil. A tarefa foi entregue à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). A instituição criou uma comissão para cumprir esse objetivo. Segundo o coordenador da Capes, Jorge Almeida Guimarães, há dois problemas centrais na crise da engenharia brasileira. A primeira é a precária formação no ensino fundamental e médio, com grandes deficiências em disciplinas básicas das chamadas ciências duras, como física, química e matemática.
A segunda é consequência da anterior. A falta de boa formação no ensino médio tem provocado evasão maciça nos cursos de engenharia. "A primeira missão será garantir que o aluno fique no curso", disse Guimarães. A Capes vai pedir auxílio à Petrobras para alcançar essa meta. A estatal, responsável por grande parte da demanda brasileira por engenheiros, é uma das empresas mais interessadas em ampliar a formação desses profissionais. Só assim conseguirá pôr em marcha planos de investimentos de US$ 200 bilhões nos próximos cinco anos.
A comissão da Capes estuda repetir iniciativa hoje já usada por grandes corporações e bancar a permanência dos alunos nos cursos. A ampliação em 10 mil engenheiros em três anos é uma meta modesta para as necessidades nacionais. Os países que fazem concorrência com o Brasil no mercado internacional formam contingentes muito maiores de engenheiros. Por ano, a China forma 400 mil engenheiros, a Índia, 250 mil, e a Coreia do Sul, 80 mil.
Iniciativas

Jacques Marcovitch, professor da USP, listou iniciativas com o objetivo de modernizar a engenharia nacional em documento a ser entregue pela Amcham (Câmara Americana de Comércio) aos presidenciáveis.

O desafio de todas é inverter a avaliação atual do diretor da Poli, José Roberto Cardoso: "Engenheiros de menos. Escolas de mais".
(Agnaldo Brito)

(Folha de SP, 21/6)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Uma Análise da Realidade do Licenciamento Ambiental no Brasil

Artigo do leitor Cristiano Vilardo Nunes Guimarães – Analista Ambiental do IBAMA, publicado no jornal O Globo, 30/04/2010.

Hoje em dia falar mal do licenciamento ambiental é mais comum que enchente no Rio de Janeiro. Diz-se que é um entrave ao progresso, um ninho de ambientalistas radicais, trincheira dos "salvem-as-baleias", enfim: é o supra-sumo da burocracia brasileira. Eita cartório difícil esse do IBAMA!

No entanto, é preciso colocar alguns pingos nos is de "licenciamento". Para início de conversa, ao contrário de outros licenciamentos corriqueiros na nossa vida, o licenciamento ambiental não é um ato cartorial, de simples conferência de documentação. Na realidade, o licenciamento ambiental foi a forma encontrada no Brasil para implementar a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) quando esta se difundiu pelo mundo ao longo da década de 1970.

Hoje, a Avaliação de Impacto Ambiental é adotada formalmente em mais de uma centena de países, incluindo todas as economias desenvolvidas e a grande maioria dos países "em desenvolvimento". Muito além de uma burocracia, o papel da AIA é o de garantir a adequada consideração da variável ambiental nas propostas de desenvolviment o, evitando que decisões sejam tomadas sem o dimensionamento das suas conseqüências ambientais. O seu principal instrumento é o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que, muito mais do que uma exigência do órgão licenciador, deveria ser um instrumento de auxílio ao planejamento de projetos mais amigáveis ao meio ambiente, identificando e avaliando os impactos e riscos do empreendimento e propondo as medidas de gestão ambiental a serem adotadas para minimizar os prejuízos ambientais.

Acontece que, infelizmente, essa perspectiva cartorial - do "tirar a licença" - é a que predomina entre o empresariado nacional e obviamente encontra bastante eco na cobertura da imprensa sobre o licenciamento ambiental. Os estudos ambientais muitas vezes são colagens de outros anteriores, realizadas por uma consultora sem possibilidade alguma de interferência no projeto, a qual foi escolhida porque ofereceu ao contratante o menor preço...

Voltando aos pingos no "is", vamos pensar o que é um licenciamento ambiental "bom"? Em uma primeira tentativa de aproximação, alguém poderia dizer que é aquele onde a avaliação dos impactos e riscos ambientais de determinado empreendimento pôde ser realizada na profundidade adequada, permitindo a proposição de mecanismos adequados de mitigação, compensação e monitoramento, e utilizando para isso o menor tempo possível ao menor custo global possível. Colou? Muito bem, agora, como se operacionaliza isso?

Não parece muito difícil... E se colocássemos profissionais qualificados, em quantidade suficiente, para analisar esses estudos? Hummm... E se esses profissionais, além de bem formados, fossem capacitados para avaliar os impactos de diferentes empreendimentos? Além disso, e se esse pessoal fosse adquirindo cada vez mais experiência no licenciame nto, ganhando confiança para propor soluções mais eficientes e eficazes?

Pois então. Parece simples, não? Mas esqueceram de um detalhe: para isso dar certo, esse pessoal precisa querer trabalhar com licenciamento! E esse pessoal só vai querer trabalhar com licenciamento na medida em que esse trabalho for valorizado de acordo com a importância e responsabilidade nele embutidas!

A vida como ela é: no concurso de 2002, o primeiro da história do IBAMA, entraram cerca de 60 analistas de nível superior para trabalhar na Diretoria de Licenciamento Ambiental, em Brasília. Em sua maioria, profissionais qualificados, muitos com mestrado ou doutorado, que vieram para a sede do IBAMA vindos de diversas partes do Brasil. Sabem quantos destes analistas trabalham hoje na DILIC? Apenas um. Definitivamente, analista experiente no licenciamento é espécie em extinção.

A razão da evasão ? Óbvia. A clara incompatibilidade entre a responsabilidade envolvida no processo de licenciamento ambiental e a desvalorização do servidor público dedicado a essa função. Por desvalorização englobamos uma série de questões que passam pelas condições adequadas de trabalho (computadores, capacitação, espaço de trabalho, bancos de dados, suporte jurídico etc.) e chegam, inexoravelmente, à questão salarial.

O analista ambiental, não só do IBAMA, mas também do ICMBio e do Ministério do Meio Ambiente, hoje está submetido a uma proto-carreira na qual o patamar salarial do nível mais alto disponível (final de carreira) é inferior ao nível salarial de entrada da carreira de Especialista em Recursos Hídricos/Geoprocessamento da Agência Nacional de Águas, também vinculada ao MMA e com atribuições muito similares de regulação, controle, fiscalização e inspeção. E durma-se com um barulho desses...

Por conta dessa desvalorização, o trabalho no licenciamento ambiental no IBAMA tem se tornado um paradeiro temporário para o analista ambiental, mero compasso de espera enquanto se prepara para uma outra oportunidade que ofereça melhores condições de trabalho e de salário. Nesse cenário tenebroso, o tempo médio de permanência do profissional na Diretoria de Licenciamento Ambiental é de apenas 18 meses. Ora bolas! Como desenvolver excelência técnica, aprimorar e padronizar procedimentos, melhorar termos de referência com uma rotatividade dessas?

E é nesse contexto que chega o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com diversos projetos de infraestrutura pelo Brasil adentro, demandando licenciamentos em prazos exíguos e jogando faísca nesse barril de pólvora que é o licenciamento ambiental federal. Não dá para dar certo. Qual a solução? Fortale cimento e valorização do licenciamento ambiental, para alcançar maior eficiência e eficácia no processo? Ilusão...

O que se viu nos últimos anos foi uma sucessão de "Destrava IBAMA", "Agiliza IBAMA", "Desocupa-a-moita IBAMA": pseudo-pacotes de medidas com finalidade puramente midiática e de nenhuma repercussão prática no dia a dia do licenciamento ambiental. Que, por sinal, continua sem implementar seu sistema informatizado de licenciamento - o SISLIC -, que já foi "lançado" oficialmente por uns 2 ou 3 presidentes do IBAMA e permanece empacado, sem uso.

São sintomas de que a própria política ambiental conduzida pelo governo encara o licenciamento numa perspectiva cartorial, de "carimbador-maluco". Aliás, instituiu-se no IBAMA o rodízio de diretores de Licenciamento: é um a cada hidrelétrica polêmica. Acabou seu turno, muito obrigado, próximo da fila!

Em síntese : quer licenciamento ambiental ágil e eficaz? Valorize o analista ambiental. Dê-lhe um salário compatível com o desafio de uma regulação de excelência. Forneça capacitação continuada e estimule o aprofundamento dos estudos em pós-graduação. Disponibilize modernos recursos de sistemas de informação para otimizar seu trabalho. Mantenha o profissional por um longo tempo na casa para que seu aprendizado seja incorporado pela instituição. Sem isso, dá licença, "mermão"!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Alterações no Código Florestal - Triste Peleja

O artigo publicado hoje, terça-feira, 15 de Junho, em minha coluna no jornal O Estado de S. Paulo, intitula-se "TRISTE PELEJA". Caso não disponha do jornal, o artigo encontra-se abaixo. A relação completa das publicações pode ser encontrada em www.agrobrasil.agr.br.

Receba um abraço do
Xico Graziano AgroBrasil
TRISTE PELEJA

Nada positiva essa encrenca sobre o Código Florestal. A opinião pública anda confusa, até assustada. Argumentos esdrúxulos partem de ambos os lados, tanto dos ambientalistas quanto dos ruralistas. Virou um besteirol rurambiental.
Embora contenha defeitos, não é verdade que o relatório Aldo Rebelo escancare as portas da destruição florestal. Tampouco é aceitável acusar, como fez o deputado, as ONGs ambientalistas de servirem ao capital internacional. Agricultor não é sem-vergonha nem ecologista serve à maldade. A radicalização só atrapalha a superação desse sério impasse sobre a legislação florestal do País.
Bandidos contra mocinhos funciona bem no cinema, não na roça. Nessa matéria, que importa ao futuro da sociedade, não pode haver vencedores nem vencidos. Será imperdoável votar uma proposta de modificação do Código Florestal que derrote o ambientalismo, por mais estranhas que sejam certas posições dentro dele. Por outro lado, se o ruralismo perder para a ingenuidade verde, melhor seria decretar o fim da agricultura. Ninguém sabe, assim procedendo, como viveriam os seres humanos.
O dilema entre produzir e preservar não comporta pensamento obscurantista nem simplista. Ao contrário, somente a luz do conhecimento poderá encontrar saídas que levem ao novo, e imprescindível, modelo civilizatório. O mundo alimenta, hoje, 6,5 bilhões de habitantes, seguindo há séculos, no campo e nas cidades, uma trajetória de confronto com a natureza. Até 2050 a população talvez se estabilize em 9 bilhões de pessoas. Vai piorar a pegada ecológica.
Querer praticar a agricultura predatória dos antepassados será burrice incomensurável. Por outro lado, defender a regressão agrícola soa insano. Conclusão: somente a tecnologia agropecuária resolve esse impasse, fundamentando uma proposta conciliadora entre a produção e a preservação. Uma saída negociada que unifique as posições em disputa. Nem tanto a Deus nem tanto ao diabo. O caminho do meio.
A agricultura sustentável deve fazer parte da solução, não do problema ambiental. Um roteiro de consenso para a reformulação do Código Florestal deve começar por expor seus porquês. Vamos lá. Quatro fortes razões justificam alterar a lei elaborada em 1965:

1) Existe dificuldade em conceituar a reserva florestal legal nas propriedades abertas antes da vigência da lei. Áreas de agricultura consolidada exigem tratamento distinto de locais ainda cobertos com vegetação nativa.
2) Certas áreas chamadas de preservação permanente, como várzeas, encostas e topos de morro, servem há décadas à agricultura de arroz, uva, café, entre outras, exigindo sua legalização produtiva.
3) Agricultores que, na Amazônia Legal, abriram terras antes de 1995, quando a reserva obrigatória era de 50% da área da fazenda, não podem ser criminalizados pela posterior elevação dessa proteção ambiental para 80%. Raciocínio semelhante vale para o cerrado.
4) A legislação precisa auxiliar o agricultor a resgatar seu passivo ambiental, favorecendo a recuperação especialmente das matas ciliares, aquelas que protegem rios e nascentes. Corredores ecológicos mais valem que pedaços de reserva isolados no território.
Existem várias possibilidades para avançar nesses quatro pontos básicos, adequando o Código Florestal à realidade presente, sem punir os agricultores de bem. Sendo assim, é aceitável:

1) Permitir a utilização de sistemas agroflorestais que misturem culturas com espécies arbóreas, inclusive exóticas, para facilitar a recuperação de áreas degradadas.
2) Realizar a compensação de passivo ambiental noutro local, fora da propriedade, mesmo ultrapassando o território do Estado quando houver identidade de bioma, na mesma bacia hidrográfica.
3) Incluir a área de preservação permanente (APP) no cômputo da reserva legal (RL), desde que o agricultor firme compromisso de recuperação ambiental com prazo máximo de dez anos.
4) Oferecer aos Estados maior capacidade de normatização e execução prática da lei florestal, estimulando o fortalecimento dos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente.
Mas existem limites que não podem ser ultrapassados. É, portanto, inaceitável que o Congresso Nacional:

1) Anistie os fazendeiros que desmataram recentemente suas reservas florestais, afrontando conscientemente a legislação, particularmente após 2001, data da última alteração do Código Florestal.
2) Facilite novos desmatamentos, em qualquer bioma e para qualquer tamanho de propriedade; ao contrário, deve estabelecer uma moratória mínima de cinco anos na supressão de florestas nativas em todo o País.
3) Diminua o tamanho da reserva legal obrigatória, uma instituição genuinamente brasileira.
Decididamente, há espaço para compor uma boa posição entre o ambientalismo e o ruralismo, valorizando ambos. Para tanto, porém, é preciso superar o argumento polarizado. O raciocínio dualista, predominante na tradição ocidental, sempre opõe o bem contra o mal, o certo e o errado, santo contra pecador. Poderosa na religião, tal lógica costuma prejudicar a evolução das ideias e a solução dos problemas da sociedade. Assim acontece agora com a reformulação do Código Florestal.

Será necessário substituir esta briga atual, em que todos saem perdendo, por um jogo de vencedores, bom para o meio ambiente, bom para a agricultura. Acontece que nenhum jogo de futebol da Copa do Mundo chegaria ao final sem arbitragem. A grande culpa por essa encrenca recai sobre o governo Lula, que parece se divertir assistindo à triste peleja entre os agricultores e os ambientalistas.
Um descaso contra a galinha dos ovos de ouro do País.

terça-feira, 8 de junho de 2010

CÓDIGO FLORESTAL-Verdades e Mentiras Segundo "SOS FLORESTA"

MENTIRA 1 - O Código Florestal foi elaborado apenas por ambientalistas lunáticos que não têm noção da realidade ou preocupação com a agricultura brasileira.
VERDADE: Tanto o Código Florestal de 1934 como o de 1965 foram elaborados pelo Ministério da Agricultura e não por ambientalistas, como se quer fazer crer. Contou com técnicos e representantes do setor rural, os quais, acertadamente, à época, propuseram regras mínimas para o uso e a proteção dos recursos florestais. Para ilustrar esse fato, veja trechos da exposição de motivos da lei atual, assinada pelo Ministro da Agricultura Armando Monteiro Filho, em 1962:
Há um clamor nacional contra o descaso em que se encontra o problema florestal no Brasil, gerando calamidades cada vez mais graves e mais nocivas à economia do país. (…) Urge, pois, a elaboração de uma lei objetiva, fácil de ser entendida e mais fácil ainda de ser aplicada, capaz de mobilizar a opinião pública nacional para encarar corretamente o tratamento da floresta.
Assim como certas matas seguram pedras que ameaçam rolar, outras protegem fontes que poderiam secar, outras conservam o calado de um rio que poderia deixar de ser navegável etc. São restrições impostas pela própria natureza ao uso da terra, ditadas pelo bem-estar social.
A lei que considera de preservação permanente as matas nas margens de um rio está apenas dizendo, mutatis mutandi, que um pantanal não é terreno adequado para plantar café. Com esse entendimento foi elaborado o Anteprojeto, eliminando a controvérsia sobre esta matéria que o Código atual suscita e que tantas dificuldades tem criado para exigir-se a permanência das florestas necessárias.
O dilema é este: ou impõe-se a todos os donos de terras defenderem à sua custa a produtividade do solo, contra a erosão terrível e crescente, ou cruzam-se os braços, ante a incapacidade, pela pobreza do Poder Público, na maioria dos Estados do Brasil, para deter a transformação do País num deserto, em que as estações se alternem entre inundações e secas, devoradoras de todo o esforço humano”
MENTIRA 2 – O Código Florestal (Lei nº 4.771/65) está ultrapassado e não tem base científica.
VERDADE: Todas as pesquisas feitas na área de biologia, ecologia, hidrologia, pedologia, metereologia e outras tantas áreas do conhecimento só confirmaram, nos últimos 30 anos, a importância de manutenção de florestas para se manter as fontes de água, o controle das chuvas, evitar as erosões dos morros e as enchentes catastróficas.
Também, basta uma simples pesquisa no arcabouço legal brasileiro que trata do tema para verificar que o texto original, datado de 1965, já foi atualizado diversas vezes e pelos mais diversos instrumentos. Conforme listamos a seguir:
Lei nº 11.934, de 2009
Lei nº 11.428, de 2006
Lei nº 11.284, de 2006
Lei nº 9.985, de 2000
Medida Provisória 2166-67, que vigora desde 1996 até a presente data
Lei nº 7.803 de 1989
Lei nº 5.870, de 1973
Foram revogadas as Leis nº 6.535 de 1978 e 7.511 de 1986.
MENTIRA 3 - O percentual estipulado de 80% para a averbação da Reserva Legal na Amazônia Brasileira dificulta a expansão da fronteira agrícola e a atividade econômica.
VERDADE: O percentual estipulado de 80% está associado, principalmente, à necessidade de se proteger a biodiversidade de cada ecossistema e, no caso específico, o da Amazônia. Hoje, a região tem cerca de 170 milhões de hectares de áreas degradadas – resultado do desmatamento e uso intensivo da floresta promovido pela expansão agropecuária e o plantio de pastagens. Tais áreas, respeitados os princípios e comandos do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), são mais que suficientes para produção agropecuária na região, incluindo a produção de biocombustíveis.
Ocorre, porém que, por falta de incentivos à recuperação destas áreas degradadas, hoje é muito mais rentável abrir novas áreas, com o aproveitamento inicial da madeira, de forma clandestina na maioria esmagadora das vezes, além do uso do solo a posteriori.
Pelo código vigente, hoje, pode-se desenvolver atividades econômicas no interior das Reservas Legais, na forma de manejo florestal sustentável. Ou seja, ao contrário do que dizem os inimigos do meio ambiente, o proprietário que cumprir a legislação e manter a sua Reserva Legal, não estará, necessariamente, diminuindo a renda da sua propriedade, pois pode explorá-la, em termos sustentáveis – que é algo moderno e pode gerar mais renda para ele.
MENTIRA 4 - O percentual estipulado de 80% para a averbação da Reserva Legal na Amazônia Brasileira torna praticamente impossível a recomposição da área.
VERDADE: A recomposição da Reserva Legal nunca foi empecilho para o desenvolvimento das atividades econômicas na propriedade rural. No que diz respeito à recomposição em si, deve-se enfatizar que ela vem sendo facilitada, em todos os aspectos, desde a edição da Lei da Política Agrícola Lei Nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991. Ela estabelece permissão para recomposição em até 30 anos e a possibilidade de promover a compensação em outras áreas, desde que na mesma bacia hidrográfica e com a adoção de formatos especiais, como no caso de assentamentos rurais (reserva legal em condomínios).
É importante registrar também que o CF dá incentivos para a recomposição dessas áreas, ao isentar seus proprietários do pagamento de tributos e do Imposto Territorial Rural – ITR. Essa isenção é também estendida para as áreas de preservação permanente e outras áreas consideradas de interesse ecológico para proteção de ecossistemas, assim reconhecidas por ato do Poder Público.
A bem da verdade, desde 1996, a Medida Provisória 1.511 já exigia o percentual de 80% para a Reserva Legal, para as áreas com fitofisionomia florestal. Este entendimento foi reforçado em 2001, por meio da Medida Provisória nº 2.166 e ampliado agora com a necessidade de se promover a recomposição das áreas anteriormente desmatadas.
Se é assim, por que só agora se diz que a recomposição da Reserva Legal não é factível do ponto de vista técnico e que isto é um fator de desestabilidade econômica das propriedades rurais? A resposta, certamente, não está nos argumentos pretensamente nacionalistas ou científicos apresentados pelos ruralistas.
A intenção não declarada é: 1) fugir das punições estipuladas pelo instrumentos normativos do Estado brasileiro, a exemplo da Resolução nº 3.595, de 31 de julho de 2008, do Banco Central do Brasil, que dispõe sobre a recomposição da Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente; 2) regularizar a propriedade para assim ter acesso a financiamentos e outras benesses governamentais, incluindo, como fazem todos os anos, o perdão de suas dívidas – o famoso calote oficial.
Sem querer, os ruralistas fizeram aparecer o restante do iceberg instalado na Amazônia. A discussão sobre o Código já mostrou que é clara a fragilidade dos órgãos ambientais responsáveis pelo controle, monitoramento e fiscalização na região, uma vez que, em termos legais, desde 1996 já estava vigente o percentual de 80%.
MENTIRA 5 – Necessidade de que os próprios estados possam definir os seus percentuais de reserva legal, considerando a imensidão do território brasileiro.
VERDADE: Os diferentes percentuais estabelecidos no Código Florestal para a reserva legal atendem necessariamente ao comando constitucional fixado no art. 24 da nossa Carta Magna, que determina que é competência da União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.
No entanto, está fixado também neste mesmo comando constitucional que, no âmbito da legislação concorrente, que é o caso, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
Ou seja, tais percentuais só podem ser estabelecidos exclusivamente pela União, eis que caracterizado a predominância de interesses segundo o qual à União serão conferidas questões de predominante interesse geral, nacional, prevalecendo-se assim o princípio federativo, tal qual como ocorre em outros setores da economia.
Por outro lado, o mesmo Código Florestal atual reserva aos estados, a possibilidade de reduzir, para fins de recomposição, esses percentuais fixados pela União, desde que isso seja indicado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE e pelo Zoneamento Agrícola.
Além disso, o Código Florestal permite também que podem ser admitidas, para o computo da reserva legal, as áreas de vegetação nativa existentes nas áreas de preservação permanente, desde que isso não implique em conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo.
MENTIRA 6 - As dificuldades impostas pelo atual Código Florestal podem levar ao desabastecimento alimentar do país.
VERDADE: As questões que afligem os ruralistas são de ordem formal e fiscal. Eles apenas querem continuar com as mesmas práticas agrícolas do passado que resultaram em devastação de todos os biomas nacionais. Graças a essas práticas agrícolas, como foi visto, milhões de hectares que poderiam gerar alimentos hoje não se prestam a isso. Também querem se livrar das multas e outras punições que receberam por não cumprir a lei – isto é, querem anistia pelos crimes cometidos com o patrimônio natural da nação.
A eventual queda na produção de grãos, não significaria desabastecimento do mercado interno. A maior parte da produção nacional de grãos, um total de 143 milhões de toneladas, é destinada ao mercado externo (a soja representa 43 milhões de toneladas). E metade dessa produção segue para alimentar os porcos e bois lá fora. O que nós devemos considerar, sejamos brasileiros, amazônidas, comunistas, capitalistas, ambientalistas ou não, é que o meio ambiente, um patrimônio de todos, está sendo transformado em matéria prima para ração animal no primeiro mundo. Aqui os ruralistas deixam a devastação, um passivo ambiental que, para eles, isso não merece punição, devendo a lei ser ajustada para permitir a continuidade do processo.
MENTIRA 7 - O Código, tal como está, prejudica o desenvolvimento da agricultura familiar.
VERDADE: As cautelas impostas pelo Código Florestal no trato da área rural protegem, não só o pequeno agricultor, mas todos aqueles que querem produzir de uma forma sustentável, garantindo a possibilidade de utilização destes recursos naturais pelas gerações futuras. Se não existisse o Código a devastação chegaria à escala de catástrofe. Considerem-se ainda os aspectos sociais reconhecidos no próprio Código, que prevê tratamento diferenciado para o pequeno produtor.
Neste contexto, em pequenas propriedades ou posses rurais familiares, de acordo com o texto vigente do Código Florestal, pode-se computar os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas, para fins do cumprimento da manutenção ou compensação da área de reserva legal.
MENTIRA 8 - O Código é impossível de ser cumprido.
VERDADE: Apenas recentemente a lei passou a ser aplicada de verdade e portanto não é possível dizer que ela é incumprível apenas porque há um grande número de imóveis que não a cumprem. Com apoio público, conscientização e o desenvolvimento de tecnologias apropriadas é perfeitamente possível proteger ou recuperar as florestas sem afetar a produção agropecuária.
MENTIRA 9 - A defesa das cautelas ambientais materializadas no atual Código Florestal estão a serviço de interesses internacionais.
VERDADE: Os ruralistas estão tentando confundir a opinião pública, dando a entender que os países ricos estão querendo a Amazônia e para isso estão usando as ONGs ambientalistas. Esta espécie de terrorismo, felizmente, só convence os seus pares.
Primeiro que o CF não se aplica apenas ou principalmente à Amazônia. Ele é importante para todas as regiões do país, indistintamente, pois em todos os lugares é necessário manter a oferta de serviços ambientais. Portanto, é de interesse dos brasileiros – e de ninguém mais – manter as fontes de água necessárias ao abastecimento das cidades, ou evitar a perda de solos por erosão, coisas que o CF tenta fazer.
Em segundo lugar, as ONGs não são, como alegam, “braços dos interesses internacionais”. A grande parte das pessoas e organizações que saem na defesa das florestas e dos rios brasileiros é brasileira. Aliadas a elas estão algumas organizações que, embora tenham escritórios em várias partes do mundo (como o Greenpeace, o WWF e outros), são formadas por brasileiros e, mesmo que não o fossem, defendem interesses que são totalmente legítimos, pois são os interesses da sociedade brasileira.
Os ruralistas, que só querem aumentar seus lucros explorando irresponsavelmente os recursos naturais, se escondem atrás de um discurso nacionalista para que a sociedade não perceba que se trata mesmo de um interesse corporativo. A grande maioria dos agricultores, sobretudo os pequenos, sabem que não há chance de sobrevivência sem equilíbrio ambiental e que não há equilíbrio sem manutenção das florestas. Trata-se, portanto, de um falso discurso patriótico o sustentado pelos ruralistas. Como disse Samuel Johnson, pensador inglês do século XVIII: “o nacionalismo é o último refúgio dos canalhas”.




CÓDIGO FLORESTAL-Mitos e Realidade Segundo o GREENPEACE

Mitos e Realidade
Por Redação Greenpeace

Focado na capacitação de jornalistas sobre a lei ambiental brasileira – assunto em debate no Congresso Nacional –, o evento reuniu 42 profissionais de agências de notícia, jornais e revistas nacionais e internacionais. O objetivo do seminário foi promover o diálogo entre jornalistas que cobrem questões ambientais e cientistas de áreas relevantes para o debate como clima, biodiversidade, economia e agricultura familiar.
Considerada uma das leis ambientais mais avançadas do mundo, o Código Florestal é ameaçado pela bancada ruralista, que pretende agir em causa própria, modificar a lei e com isso garantir que as motosserras ajam livremente devastando as florestas brasileiras.
O debate sobre as possíveis mudanças no código está acontecendo na Comissão Especial na Câmara dos Deputados – a qual, diga-se de passagem, é dominada por parlamentares ruralistas. O responsável pela relatoria é o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que pode entregar a qualquer momento sua avaliação. O Greenpeace tentar barrar a destruição das matas evitando que o resultado
do relatório seja negativo para o ambiente. Você pode nos ajudar assinando uma petição que será enviada para o deputado.
Conteúdo
Paulo Adário, diretor da campanha de Amazônia do Greenpeace, abriu o seminário falando sobre o ataque sistemático que a bancada da motosserra faz ao Código Florestal, e como trabalhar com as cadeias produtivas – como o Greenpeace faz no caso de gado e soja – ajudam a garantir uma ação
eficaz na proteção do ambiente e da biodiversidade.
Carlos Alberto Scaramuzza, superintendente de conservação do WWF Brasil, apresentou uma pesquisa desmontando um dos principais argumentos dos ruralistas: que o código impede a produção agrícola e engessa o crescimento no Brasil. A pesquisa focou cinco cidades cuja economia é baseada na agricultura e mostrou que a preservação das áreas de proteção permanente (APP) não
impediram a produção agrícola eficiente nesses locais.
O cientista Gerd Sparovek, da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), ligada a USP, mostrou um levantamento inédito sobre terras agricultáveis no Brasil. O resultado é que a legislação ambiental não inviabiliza a agricultura. Segundo o estudo, há terra fértil suficiente somente nas áreas de pasto para dobrar a atual produção de grãos no Brasil. A pesquisa analisa o
território brasileiro – quanto de florestas ainda apresenta e quanto já foi alterado – e demonstra que existe um déficit de APPs e reserva legal em várias regiões, que precisam ser sanadas, mas que os terrenos já modificados são mais que suficientes para garantir o crescimento do agronegócio nacional.
O analista da Procuradoria Geral da República Anthony Brandão, professor da UnB (Universidade de Brasília), falou como o Código Florestal em si não é um problema, mas como o governo falha em implementá-lo e fiscalizar sua aplicação. "Não adianta falara que reserva legal não presta se nem implementada ela foi. Vamos primeiro testar antes de falar que o código não funciona", disse.
O jurista Carlos Marés, procurador-geral do Paraná, afirmou que o Código Ambiental protege a sociedade e seus interesses ao estabelecer um limite de destruição das florestas. "Não é possível aplicar um conceito do século 19 de 'limpeza de terreno' em pleno século 21", disse. Ele explicou que o fato de um terreno ser considerado particular não exime seu proprietário de responsabilidades
com o coletivo, como a preservação ambiental. "É próprio da modernidade estabelecer limites ao pleno uso da liberdade. Isso acontece em qualquer país do mundo, em relação aos mais diferentes bens."
O desmatamento da floresta amazônica traz impactos negativos em âmbito regional e nacional, mostrou o cientista do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Gilvan Sampaio. A derrubada das árvores e a conversão do solo em plantação ou pasto alteram a dinâmica das chuvas na região, em primeiro lugar, e reduz o volume de umidade essencial para a existência do Pantanal e
para a agricultura no Sudeste. A situação só se agrava com o efeito estufa.
João de Deus, diretor do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente e professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), falou sobre a responsabilidade compartilhada entre governo e proprietários rurais sobre a preservação da natureza. "Existe um interesse maior coletivo que não pode ser subjugado pelos interesses particulares."
Luiz Zarref, dirigente da Via Campesina e do MST, negou um argumento normalmente usado pelo deputado Aldo Rebelo para justificar sua intenção de mudar o Código Florestal. "Todo mundo usa o argumento dos pequenos: Confederação Nacional da Agricultura, Ministério da Agricultura..." De acordo com Zareff, os produtores familiares – eles sim responsáveis por produzir alimentos para os brasileiros, segundo censo recente do IBGE – podem se beneficiar do manejo correto de reservas legais e APPs, uma vez que é possível produzir nessas áreas. Em 2008, o setor florestal, com extrativismo correto, gerou R$ 3,9 bilhões. Luiz Carlos Estraviz Rorigues, também professor da Esalq, completou essas informações e mostrou, com exemplos práticos, como a legislação ambiental não impede a utilização das áreas preservadas para obtenção de renda.
Maria José Brito Zakia, consultora na área socioambiental, relatou como foi definida a expansão das APPs, com base em um amplo estudo científico produzido, construído por diversos pesquisadores que debateram e formularam a proposta que se tornou uma das bases do atual Código Florestal.
Jean Paul Metzger, doutor em ecologia pela Universidade Paul Sabatier de Toulouse (França) e professor da USP (Universidade de São Paulo), apresentou estudo que recomenda a existência de corredores amplos de florestas para garantir a biodiversidade da fauna e da flora. A pesquisa prova que, ao contrário do que dizem os ruralistas, é preciso proteger as APPs para garantir a variabilidade genética das espécies.
(Envolverde/Greenpeace).