Débora Calheiros:
“Chega de censura a cientistas, falta de comprometimento com o rigor e
qualidade técnica numa questão crucial como o Código Florestal”
por Conceição
Lemes
Em plena Rio+20, a
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a doutora
Débora Fernandes Calheiros divulgou o documento Ensaio
sobre a cegueira ambiental e social (íntegra, no final).
Nele, Débora
denuncia a censura imposta a cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), especialmente sobre as questões referentes à revisão do
Código Florestal. Também observa que a empresa, vinculada ao Ministério da
Agricultura, manteve-se estrategicamente em silêncio, afastada do debate com a
sociedade :
A revisão do
Código Florestal deveria ser elaborada sim, atendendo às inovações tecnológicas
e ao aumento do conhecimento científico… Deveria ter sido feita com base na
Ciência, com “C” maiúsculo, como o foi à época realizado o Código das Águas
(1934) e o Código Florestal (1969), editados por um Ministério da Agricultura à
frente de seu tempo e preocupado com a conservação dos recursos hídricos e
naturais indispensáveis à própria atividade agrícola
…Todos os
cientistas puderam se manifestar livremente e oficialmente sobre o tema.
…No entanto, a
empresa na qual trabalho, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –
EMBRAPA, ligada ao Ministério da Agricultura, ícone da pesquisa agropecuária de
nosso país, proibiu institucionalmente desde out./2010 seus pesquisadores de se
manifestarem oficialmente no que se refere ao Código Florestal e “outros
assuntos polêmicos”, “evitando conflitos com a posição oficial da instituição”,
contrariando, inclusive, o seu próprio Código de Ética…
Recentemente
(mar./2012), antes mesmo da aprovação do novo Código na Câmara Federal ou da
sanção ou veto da Presidente, fomos informados por meio do Documento “Embrapa
2012 – Ano Embrapa para uma Agricultura Mais Verde” que a mesma “reconhece e
fortalece as responsabilidades sociais e ambientais” e busca o fortalecimento
da gestão que considera de “vanguarda” por meio “da implementação de ações
sustentáveis, incluindo a obediência ao novo Código Florestal”.
Isso
renegando um parecer técnico de seu próprio corpo de cientistas “Síntese da
Pesquisa Agropecuária na Embrapa e a Proteção Ambiental” (jul/2009), que
obviamente corrobora as opiniões dos demais cientistas da área, tendo cuidado
especial para as pequenas propriedades, a grande maioria das propriedades
rurais do país.
Esta repórter foi
checar essas informações.
O primeiro passo
foi pesquisar no Google Embrapa e Código Florestal. Curiosamente, com
frequência, os links remetem para sites ligados a ruralistas e ao agronegócio,
que chamam os ambientalistas de “ecotalibãs” e desqualificam a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O
pesquisador em questão é Evaristo Miranda, importante na Embrapa e um dos
precursores da atual revisão do Código Florestal em prol do agronegócio. É
ligado ao senador José Sarney (PMDB-AP).
Nele,
o presidente-executivo da Embrapa, Pedro Arraes, fala sobre a postura da
Embrapa diante do Código Florestal.
Curiosamente, esta repórter não achou no Google um link onde pudesse se inteirar em profundidade sobre as posições técnico-científicas da Embrapa em relação à revisão do Código Florestal.
Por isso, o segundo passo foi perguntar diretamente à própria Embrapa:
1. Por que não participou dos debates sobre as mudanças do Código Florestal, como fizeram muitas instituições brasileiras ligadas à pesquisa? Afinal, o Código Florestal e Embrapa têm tudo a ver.
2. Por que proibiu seus pesquisadores de participar desse debate?
3. Seria possível disponibilizar o parecer técnico da Embrapa sobre as mudanças no Código Florestal?
Respostas encaminhadas ao Viomundo pela Secretaria de Comunicação da Embrapa:
1. A Embrapa participou de todos os debates para os quais foi convidada, em foruns estaduais e federais. Esteve, inclusive, representada em 15 audiências públicas sobre o Código Florestal realizadas no Congresso Nacional.
2. A Embrapa não proibiu seus pesquisadores de participar do debate. Vários pesquisadores foram, inclusive, designados para representa-la nas audiências públicas. O que a empresa procura preservar é a sua visão institucional. Pesquisadores ou todos os funcionários da Embrapa, como todo cidadão brasileiro, tem o direito de opinar sobre quaisquer temas de interesse público. Contudo, essa opinião pessoal não deve ser traduzida como sendo a opinião institucional da Embrapa.
Como um órgão responsável pela pesquisa agropecuária não cabe, em qualquer situação, a Embrapa, como instituição de Governo, emitir opiniões sem o devido respaldo de sua lógica cientifica aplicada a dados, preferencialmente primários. Estes certamente requererão um enorme esforço da pesquisa, num prazo bem mais longo do que o que foi disponibilizado nas discussões que antecederam a aprovação do Código Florestal.
3. Não existe parecer técnico institucional da Embrapa a ser disponibilizado.
Só que a Embrapa:
1. Estranhamente não apresentou, de forma clara, à sociedade as suas posições técnico-científicas sobre Código Florestal, como fizeram outras instituições e entidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), entre outras. E não foi por falta de massa crítica. Competência, seus pesquisadores têm — e muita!
2. Vetou, sim, a participação de seus pesquisadores em debates, inclusive no debate que houve na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2011, e foi amplamente denunciado na mídia.
3. Existe, sim, um parecer feito por pesquisadores da
Embrapa e que resume a posição da empresa sobre o Código Florestal. Esse
documento foi apresentado à comissão especial do Código Florestal e subsidiou o
Relatório de Aldo Rebelo. Tem 22 páginas, incluindo a de rosto, abaixo.
Decidimos então publicar a
carta-denúncia da pesquisadora Débora Calheiros e entrevistá-la para saber mais
detalhes.
Débora
Calheiros é muito respeitada por seus pares. Bióloga, com mestrado em Engenharia
Civil na Faculdade de Engenharia de São Carlos e doutorado em Ciências no Centro de
Energia Nuclear em Agricultura (Cena), ambos da USP. Há 26 anos atua em
ecologia de rios e planícies de inundação e na área de gestão de recursos
hídricos e há 23 trabalha na Embrapa Pantanal.
Viomundo – Por que esta carta-denúncia?
Débora Calheiros — Não posso compactuar com a omissão deliberada da Embrapa em
relação à revisão do Código Florestal… Omissão e conivência por pressão
política de um setor econômico da sociedade. Sou especialista em conservação de
rios, encaro como um dever profissional a minha denúncia. Espero sinceramente
que ela ajude a melhorar a instituição pública em que trabalho há tanto tempo,
tornando-a, quem sabe, mais democrática e que cumpra mais o seu papel na
formação de uma opinião científica crítica em nosso país.
A
Embrapa é uma empresa pública de pesquisa na área de agricultura e ambiental,
que deve ser independente e se pautar estritamente por bases científicas e não
ideológicas. Infelizmente, não é o que está acontecendo. Sou acusada
internamente como ideológica. Mas quem foi flagrantemente ideológica no caso
do Código Florestal, uma vez que não se posicionou cientificamente de forma
clara para a sociedade?
Viomundo – Os pesquisadores estão proibidos de dar declaração
apenas em relação Código Florestal ou a restrição se estende a outros temas?
Débora Calheiros — Desde 2010, estamos proibidos de dar declarações sobre o Código
Florestal, transgênicos e qualquer outro tema considerado “polêmico” pela
empresa. Apenas podem falar oficialmente, inclusive com a imprensa, as chefias
ou quem elas designarem.
Viomundo – Com que argumento ou objetivo?
Débora Calheiros — Seria para “preservar a unicidade do discurso da empresa e
evitar divergências nas informações prestadas”. Também porque “não se deve
emitir opiniões pessoais sobre assuntos relativos à empresa, evitando conflitos
com a posição oficial da instituição.”
E,
aí, pergunta-se: qual deveria ser a posição oficial sobre o Código Florestal de
uma instituição pública de pesquisa se não uma posição estritamente técnica?
Viomundo – Pelo que entendi do seu documento, a Embrapa ignorou o
documento dos pesquisadores sobre o Código Florestal. É isso mesmo?
Débora Calheiros – A empresa ignorou parecer técnico de uma Comissão de
pesquisadores das áreas de recursos hídricos, zoneamento, solos e sensoriamento
remoto, que foi designada especialmente para avaliar as mudanças no
Código Florestal em 2009.
Ou
seja, a empresa não se posicionou sobre uma questão crucial relacionada à
sustentabilidade do uso dos recursos naturais pela agricultura. Preferiu
estrategicamente se omitir. Detalhe: a questão ambiental e a sustentabilidade
na agricultura são áreas de atuação da empresa, inclusive amplamente utilizadas
em material informativo e promocional.
Viomundo – Essa omissão se deve a quê? Seriam pressões do setor
ruralista?
Débora Calheiros — Tudo indica que sim. Inclusive o Ministério da Agricultura se
posicionou abertamente a favor da versão do Código Florestal apoiada pelos
ruralistas, e ainda salientou que a agricultura brasileira seria exemplo de
sustentabilidade.
Viomundo – Você diria que a Embrapa não tem independência
científica?
Débora Calheiros — Na área ambiental, com certeza. Nós podemos até publicar artigos
científicos em revistas técnicas, mas informar e discutir abertamente com a
sociedade sobre os tais “assuntos polêmicos”, não. É um tabu. As chefias
pressionam e os pesquisadores acabam se autocensurando. Só que, como
pesquisadores de um órgão público,
temos o dever de informar e debater abertamente com toda a sociedade,
desde que em bases técnicas.
Viomundo – Essa visão é só sua ou outros pesquisadores da Embrapa
pensam igual?
Débora Calheiros – Minha visão é compartilhada por aqueles que têm senso crítico e
entendem que pesquisa é mais do que publicar artigos científicos apenas. Ciência também é
transformação social com base em saber científico. Porém, quase ninguém
explicita isso, tem medo de represálias. Só que a divulgação científica é um
instrumento de construção da democracia e da cidadania.
Viomundo – Você não teme represálias?
Débora Calheiros – Há anos sofro represálias, mas nos últimos quatro aumentou. Foi
quando já sendo doutora e chegando aos 50
anos de idade, resolvi que deveria finalmente reagir. Eu entendo que, sendo
funcionários do povo brasileiro, devemos dar livre acesso às informações
científicas de qualidade que geramos/estudamos, sem se submeter às pressões de
determinados grupos da sociedade. Imagino que agora com a vigência da Lei
de Acesso à Informação isso possa melhorar na instituição.
Viomundo – Que represália já sofreu?
Débora Calheiros – Houve uma sindicância fraudulenta contra mim em que fui
considerada ideológica, insubordinada e ligada a
ONGs. Um
absurdo! Em função disso, fui retirada de representações oficiais em que eu era
a pessoa mais indicada por mérito e experiência no assunto.
Viomundo – A que assunto você se refere?
Débora Calheiros – Gestão de recursos hídricos e bacias hidrográficas da região
pantaneira e mais especificamente quanto à ameaça de 135 hidrelétricas
previstas na bacia formadora do Pantanal, assunto considerado polêmico pela
Embrapa Pantanal, só recentemente abrandado.
Em
conjunto esses empreendimentos têm alto risco de alterar o pulso de cheias e
secas dos rios que formam a planície do Pantanal e causar problemas sociais
gravíssimos a médio e longo prazo. Em consequência, afetando diretamente a
produção pesqueira e a segurança alimentar de pescadores e ribeirinhos, bem
como a atividade econômica da pesca profissional e turística.
Viomundo – Se a chefia é contra, como continua trabalhando nesta
questão?
Débora Calheiros – Porque o Ministério Público Federal (MPF) solicita minha
contribuição por meio de ofícios endereçados diretamente à minha pessoa. Além
disso, com o apoio importantíssimo do nosso Sindicato (Sindicato Nacional dos
Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário, Sinpaf) e colegas
professores, consegui ser cedida à Universidade Federal de Mato Grosso. Foi o
único jeito de me afastar dos assediadores e preservar minha saúde física e
emocional.
Viomundo – Como está sua situação na empresa?
Débora Calheiros – Tenho um processo contra a empresa por danos morais (assedio moral
e sofrimento no trabalho), mas recentemente a decisão judicial de primeira
instância da Justiça do Trabalho confirmou a tese da empresa: “A reclamante, na condição de
empregada subordinada, é que deve acatar o poder diretivo do empregador
representado na pessoa de seus superiores hierárquicos, ainda que sua opinião
técnica ou científica sobre determinados temas seja divergente.” E ainda:
“que eu não sigo a ideologia da empresa”…
Ora,
pergunta-se novamente qual deveria ser a ideologia de uma empresa pública de
pesquisa a não ser a Ciência e o respeito às leis vigentes em nosso país? Não
estamos na era medieval nem sob ditadura… Sou uma pesquisadora formada
pelo povo brasileiro e devo respeito às leis, aos Códigos de Ética e à Ciência
da qual sou especialista. Como posso seguir cegamente a decisão de chefias que
não entendem da minha área científica, ou, pior, preferem deliberadamente se
omitir ou serem coniventes com erros técnicos ou impedir a discussão com a
sociedade de temas importantes e “polêmicos”?
Cabe
lembrar que a Embrapa foi condenada em duas instâncias em outro processo por
assédio moral institucional, atualmente sendo analisado em última instância no
Tribunal Superior do Trabalho (TST). Foi uma ação movida pelo Sinpaf e acatada
pelo Ministério Público do Trabalho – DF.
Viomundo – E, agora?
Débora Calheiros — Chega de censura a cientistas, falta de comprometimento com o
rigor e qualidade técnica numa questão crucial como o Código Florestal,
favorecendo apenas um setor econômico em detrimento da ampla discussão com
todo o povo brasileiro.
O
país sofreu muito na
época da ditadura militar para que hoje tivéssemos o direito à liberdade de pensamento
e expressão. E como cientista, essa é premissa básica, e como cientista de uma
instituição pública, um dever.
Sigo
com muita honra o Artigo 225 da Constituição Brasileira no que se refere a termos responsabilidades como cidadãos
e como órgão público em relação à conservação do meio ambiente.
Sou
respeitada pelos meus colegas e tenho um bom trabalho científico, mesmo não
sendo uma pesquisadora considerada de excelência apenas pelo número de
publicações. Mas faço um bom trabalho e tenho muito orgulho de minha atuação
profissional. Não posso compactuar mais com isso.
*************
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA AMBIENTAL E SOCIAL
Dra. Débora F. Calheiros
Parafraseando
José Saramago, tomo a liberdade de comparar o universo criado pelo autor com o
que vivemos atualmente às vésperas da Rio + 20. O Brasil poderia estar à frente
em termos mundiais, dando exemplo de como conservar seu patrimônio natural,
crescer economicamente de forma qualitativa, detentor do que deveria ser uma
combinação eficiente: uma das maiores reservas de biodiversidade e de água do planeta,
associadas a uma legislação ambiental primorosa. Contudo fez opção pelo oposto.
A
revisão do Código Florestal deveria ser elaborada sim, atendendo às inovações
tecnológicas e ao aumento do conhecimento científico. Óbvio. Mas não da forma
que foi feita, de forma meramente política para atender um setor privilegiado
econômica e politicamente da sociedade brasileira, com objetivos meramente
econômicos e de curtíssimo prazo. Deveria ter sido feita com base na Ciência,
com “C” maiúsculo, como o foi à época realizado o Código das Águas (1934) e o
Código Florestal (1969), editados por um Ministério da Agricultura à frente de
seu tempo e preocupado com a conservação dos recursos hídricos e naturais
indispensáveis à própria atividade agrícola.
Muitos
já falaram sobre isso. Muitos cientistas do mais alto gabarito deste país.
Desde Aziz Ab’Saber (USP) a J. G. Tundisi (IEE), Luiz A. Martinelli (CENA-USP),
Carlos A. Joly (UNICAMP), Carlo Nobre (INPE), Gerd Sparovek (ESALQ-USP), Jean
P. Metzger (IB-USP), Yara Schaeffer-Novelli (IO-USP), Maria T. F. Piedade
(INPA), Wolfgang J. Junk (INAU – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em
Áreas Úmidas/UFMT), Paulo T. de Sousa Jr. (INAU/UFMT), Catia N. da Cunha
(INAU/UFMT), Ennio Candotti (Museu da Amazonia), P. Girard (INAU/UFMT), L.
Casssati (UNESP) entre vários outros, além de programas de pesquisa
importantíssimos como o Biota FAPESP e o próprio INAU, bem como instituições
que deveriam ser referência como a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e, salienta-se, até a
própria agência governamental das Águas (ANA). De minha parte, humildemente,
também me incluo neste grupo, como doutora em Ciências, pesquisadora da área de
Limnologia (estudo de ambientes aquáticos continentais), Ecotoxicologia
(contaminação ambiental por pesticidas) e Etnoecologia (estudo do conhecimento
das comunidades e povos tradicionais sobre o funcionamento ecológico de seus
ambientes), especificamente na área de ecologia de rios e planícies de inundação
do Pantanal Mato-Grossense há mais de 20 anos.
Pergunta-se:
Para que serve, então, a Ciência? Para que milhões de reais são gastos em
pesquisa, em programas de pós-graduação para a formação de novos cientistas na
área de recursos hídricos e ecologia? O que acontece com um país que renega e
desrespeita a opinião unânime de seus mais importantes cientistas, em pleno
Século XXI e não no obscurantismo medieval ou ditatorial, mas sim, acredita-se,
em plena vigência da democracia? E tudo isso, pasmem, às vésperas da
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), com
o país e o mundo clamando por melhor qualidade de vida e sustentabilidade?
Mais
de dois milhões de assinaturas de brasileiros clamando pelo Veto. Manifestações
veementemente críticas de ONGs de importância nacional e internacional, de
movimentos sociais como a Via Campesina, dos ex-ministros do Meio Ambiente, da
OAB e de tantos outros congregados num movimento histórico denominado Comitê
Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável. Posição
unânime de cientistas renomados. Mas nada disso vale quando não há
sensibilidade política para a causa humanista, base da conservação ambiental,
optando-se por garantir novamente o privilégio de poucos em detrimento de toda
a sociedade e reforçando incoerentemente a pobreza. Como diria Juan M. Alier em
seu “Ecologismo dos Pobres” (1992): apropriação e exploração inconsequentes dos
recursos naturais pelas leis capitalistas de mercado.
Contudo
a liberdade de expressão científica e cidadã foram asseguradas. Todos os
cientistas puderam se manifestar livremente e oficialmente sobre o tema. Já
esta prerrogativa não nos foi autorizada. O que faço aqui pode gerar ainda mais
represálias. Mas entendo que a liberdade de expressão é assegurada
constitucionalmente e na Declaração Universal de Direitos Humanos, e a
liberdade de pensamento e expressão científicos são, além de base filosófica da
Ciência, um direito e um dever profissional. Um dever de todos os gestores e
órgãos públicos como determina o Artigo 225 da Constituição Federal e o Código
de Ética Profissional dos servidores em órgãos da Administração Pública: “VIII
– Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la,
ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da
Administração Pública”.
No
entanto, a empresa na qual trabalho, a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária – EMBRAPA, ligada ao Ministério da Agricultura, ícone da pesquisa
agropecuária de nosso país, proibiu institucionalmente desde out./2010 seus
pesquisadores de se manifestarem oficialmente no que se refere ao Código
Florestal e “outros assuntos polêmicos”, “evitando conflitos com a posição
oficial da instituição”, contrariando, inclusive, o seu próprio Código de
Ética. Este fato foi noticiado na grande imprensa à época quando da realização
de uma Audiência Pública sobre o tema no Senado Federal em fev./2011.
Recentemente (mar./2012), antes mesmo da aprovação do novo Código na Câmara
Federal ou da sanção ou veto da Presidente, fomos informados por meio do
Documento “Embrapa 2012 – Ano Embrapa para uma Agricultura Mais Verde” que a
mesma “reconhece e fortalece as responsabilidades sociais e ambientais” e busca
o fortalecimento da gestão que considera de “vanguarda” por meio “da
implementação de ações sustentáveis, incluindo a obediência ao novo Código
Florestal”.
Isso
renegando e ocultando um parecer técnico de seu próprio corpo de cientistas
“Síntese da Pesquisa Agropecuária na Embrapa e a Proteção Ambiental”
(jul/2009), que obviamente corrobora as opiniões dos demais cientistas da área,
tendo cuidado especial para as pequenas propriedades, a grande maioria das
propriedades rurais do país. Ou seja, a influência política do setor agropecuário
também inibe, pressiona e censura a Ciência, numa empresa pública de pesquisa,
que utilitariamente e docilmente (parafraseando um artigo crítico à instituição
de Araújo e colaboradores, publicado em 2011:http://www.scielo.br/pdf/rap/v45n3/10.pdf) consente e se omite em um
debate crucial para a sustentabilidade da agricultura e, portanto, ambiental do
país.
Tudo isso demonstra quão frágil ainda é a
democracia e as instituições governamentais brasileiras em relação à influência
do capital em se apoderar dos recursos naturais em detrimento do conjunto da
população brasileira, daí o fato notório de estarmos na 7ª posição em termos de
economia mundial e na 84ª em termos de distribuição de renda. Apesar de alguns
avanços, pouco mudamos neste aspecto desde a colonização. Cegueira
irresponsável, social e ambiental, censurando e perseguindo cientistas, em
pleno Século XXI.
Na
verdade não está sendo apenas um embate entre ideias ruralistas e
ambientalistas, mas entre ruralistas e cientistas, mas com exceção desta importante
instituição pública de pesquisa de grande relevância para a produção de
alimentos para o Brasil. Na verdade, trata-se de um debate entre ruralistas e
uma parte significativa da sociedade brasileira, que deveria ser respeitada com
base no Artigo 225 da nossa Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
O
pesquisador em questão é Evaristo Miranda, importante na Embrapa e um dos
precursores da atual revisão do Código Florestal em prol do agronegócio. É
ligado ao senador José Sarney (PMDB-AP).
Nele,
o presidente-executivo da Embrapa, Pedro Arraes, fala sobre a postura da
Embrapa diante do Código Florestal.
Curiosamente, esta repórter não achou no Google um link onde pudesse se inteirar em profundidade sobre as posições técnico-científicas da Embrapa em relação à revisão do Código Florestal.
3. Existe, sim, um parecer feito por pesquisadores da
Embrapa e que resume a posição da empresa sobre o Código Florestal. Esse
documento foi apresentado à comissão especial do Código Florestal e subsidiou o
Relatório de Aldo Rebelo. Tem 22 páginas, incluindo a de rosto, abaixo.
Decidimos então publicar a
carta-denúncia da pesquisadora Débora Calheiros e entrevistá-la para saber mais
detalhes.
Débora
Calheiros é muito respeitada por seus pares. Bióloga, com mestrado em Engenharia
Civil na Faculdade de Engenharia de São Carlos e doutorado em Ciências no Centro de
Energia Nuclear em Agricultura (Cena), ambos da USP. Há 26 anos atua em
ecologia de rios e planícies de inundação e na área de gestão de recursos
hídricos e há 23 trabalha na Embrapa Pantanal.
Viomundo – Por que esta carta-denúncia?
Débora Calheiros — Não posso compactuar com a omissão deliberada da Embrapa em
relação à revisão do Código Florestal… Omissão e conivência por pressão
política de um setor econômico da sociedade. Sou especialista em conservação de
rios, encaro como um dever profissional a minha denúncia. Espero sinceramente
que ela ajude a melhorar a instituição pública em que trabalho há tanto tempo,
tornando-a, quem sabe, mais democrática e que cumpra mais o seu papel na
formação de uma opinião científica crítica em nosso país.
A
Embrapa é uma empresa pública de pesquisa na área de agricultura e ambiental,
que deve ser independente e se pautar estritamente por bases científicas e não
ideológicas. Infelizmente, não é o que está acontecendo. Sou acusada
internamente como ideológica. Mas quem foi flagrantemente ideológica no caso
do Código Florestal, uma vez que não se posicionou cientificamente de forma
clara para a sociedade?
Viomundo – Os pesquisadores estão proibidos de dar declaração
apenas em relação Código Florestal ou a restrição se estende a outros temas?
Débora Calheiros — Desde 2010, estamos proibidos de dar declarações sobre o Código
Florestal, transgênicos e qualquer outro tema considerado “polêmico” pela
empresa. Apenas podem falar oficialmente, inclusive com a imprensa, as chefias
ou quem elas designarem.
Viomundo – Com que argumento ou objetivo?
Débora Calheiros — Seria para “preservar a unicidade do discurso da empresa e
evitar divergências nas informações prestadas”. Também porque “não se deve
emitir opiniões pessoais sobre assuntos relativos à empresa, evitando conflitos
com a posição oficial da instituição.”
E,
aí, pergunta-se: qual deveria ser a posição oficial sobre o Código Florestal de
uma instituição pública de pesquisa se não uma posição estritamente técnica?
Viomundo – Pelo que entendi do seu documento, a Embrapa ignorou o
documento dos pesquisadores sobre o Código Florestal. É isso mesmo?
Débora Calheiros – A empresa ignorou parecer técnico de uma Comissão de
pesquisadores das áreas de recursos hídricos, zoneamento, solos e sensoriamento
remoto, que foi designada especialmente para avaliar as mudanças no
Código Florestal em 2009.
Ou
seja, a empresa não se posicionou sobre uma questão crucial relacionada à
sustentabilidade do uso dos recursos naturais pela agricultura. Preferiu
estrategicamente se omitir. Detalhe: a questão ambiental e a sustentabilidade
na agricultura são áreas de atuação da empresa, inclusive amplamente utilizadas
em material informativo e promocional.
Viomundo – Essa omissão se deve a quê? Seriam pressões do setor
ruralista?
Débora Calheiros — Tudo indica que sim. Inclusive o Ministério da Agricultura se
posicionou abertamente a favor da versão do Código Florestal apoiada pelos
ruralistas, e ainda salientou que a agricultura brasileira seria exemplo de
sustentabilidade.
Viomundo – Você diria que a Embrapa não tem independência
científica?
Débora Calheiros — Na área ambiental, com certeza. Nós podemos até publicar artigos
científicos em revistas técnicas, mas informar e discutir abertamente com a
sociedade sobre os tais “assuntos polêmicos”, não. É um tabu. As chefias
pressionam e os pesquisadores acabam se autocensurando. Só que, como
pesquisadores de um órgão público,
temos o dever de informar e debater abertamente com toda a sociedade,
desde que em bases técnicas.
Viomundo – Essa visão é só sua ou outros pesquisadores da Embrapa
pensam igual?
Débora Calheiros – Minha visão é compartilhada por aqueles que têm senso crítico e
entendem que pesquisa é mais do que publicar artigos científicos apenas. Ciência também é
transformação social com base em saber científico. Porém, quase ninguém
explicita isso, tem medo de represálias. Só que a divulgação científica é um
instrumento de construção da democracia e da cidadania.
Viomundo – Você não teme represálias?
Débora Calheiros – Há anos sofro represálias, mas nos últimos quatro aumentou. Foi
quando já sendo doutora e chegando aos 50
anos de idade, resolvi que deveria finalmente reagir. Eu entendo que, sendo
funcionários do povo brasileiro, devemos dar livre acesso às informações
científicas de qualidade que geramos/estudamos, sem se submeter às pressões de
determinados grupos da sociedade. Imagino que agora com a vigência da Lei
de Acesso à Informação isso possa melhorar na instituição.
Viomundo – Que represália já sofreu?
Débora Calheiros – Houve uma sindicância fraudulenta contra mim em que fui
considerada ideológica, insubordinada e ligada a
ONGs. Um
absurdo! Em função disso, fui retirada de representações oficiais em que eu era
a pessoa mais indicada por mérito e experiência no assunto.
Viomundo – A que assunto você se refere?
Débora Calheiros – Gestão de recursos hídricos e bacias hidrográficas da região
pantaneira e mais especificamente quanto à ameaça de 135 hidrelétricas
previstas na bacia formadora do Pantanal, assunto considerado polêmico pela
Embrapa Pantanal, só recentemente abrandado.
Em
conjunto esses empreendimentos têm alto risco de alterar o pulso de cheias e
secas dos rios que formam a planície do Pantanal e causar problemas sociais
gravíssimos a médio e longo prazo. Em consequência, afetando diretamente a
produção pesqueira e a segurança alimentar de pescadores e ribeirinhos, bem
como a atividade econômica da pesca profissional e turística.
Viomundo – Se a chefia é contra, como continua trabalhando nesta
questão?
Débora Calheiros – Porque o Ministério Público Federal (MPF) solicita minha
contribuição por meio de ofícios endereçados diretamente à minha pessoa. Além
disso, com o apoio importantíssimo do nosso Sindicato (Sindicato Nacional dos
Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário, Sinpaf) e colegas
professores, consegui ser cedida à Universidade Federal de Mato Grosso. Foi o
único jeito de me afastar dos assediadores e preservar minha saúde física e
emocional.
Viomundo – Como está sua situação na empresa?
Débora Calheiros – Tenho um processo contra a empresa por danos morais (assedio moral
e sofrimento no trabalho), mas recentemente a decisão judicial de primeira
instância da Justiça do Trabalho confirmou a tese da empresa: “A reclamante, na condição de
empregada subordinada, é que deve acatar o poder diretivo do empregador
representado na pessoa de seus superiores hierárquicos, ainda que sua opinião
técnica ou científica sobre determinados temas seja divergente.” E ainda:
“que eu não sigo a ideologia da empresa”…
Ora,
pergunta-se novamente qual deveria ser a ideologia de uma empresa pública de
pesquisa a não ser a Ciência e o respeito às leis vigentes em nosso país? Não
estamos na era medieval nem sob ditadura… Sou uma pesquisadora formada
pelo povo brasileiro e devo respeito às leis, aos Códigos de Ética e à Ciência
da qual sou especialista. Como posso seguir cegamente a decisão de chefias que
não entendem da minha área científica, ou, pior, preferem deliberadamente se
omitir ou serem coniventes com erros técnicos ou impedir a discussão com a
sociedade de temas importantes e “polêmicos”?
Cabe
lembrar que a Embrapa foi condenada em duas instâncias em outro processo por
assédio moral institucional, atualmente sendo analisado em última instância no
Tribunal Superior do Trabalho (TST). Foi uma ação movida pelo Sinpaf e acatada
pelo Ministério Público do Trabalho – DF.
Viomundo – E, agora?
Débora Calheiros — Chega de censura a cientistas, falta de comprometimento com o
rigor e qualidade técnica numa questão crucial como o Código Florestal,
favorecendo apenas um setor econômico em detrimento da ampla discussão com
todo o povo brasileiro.
O
país sofreu muito na
época da ditadura militar para que hoje tivéssemos o direito à liberdade de pensamento
e expressão. E como cientista, essa é premissa básica, e como cientista de uma
instituição pública, um dever.
Sigo
com muita honra o Artigo 225 da Constituição Brasileira no que se refere a termos responsabilidades como cidadãos
e como órgão público em relação à conservação do meio ambiente.
Sou
respeitada pelos meus colegas e tenho um bom trabalho científico, mesmo não
sendo uma pesquisadora considerada de excelência apenas pelo número de
publicações. Mas faço um bom trabalho e tenho muito orgulho de minha atuação
profissional. Não posso compactuar mais com isso.
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ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA AMBIENTAL E SOCIAL
Dra. Débora F. Calheiros
Parafraseando
José Saramago, tomo a liberdade de comparar o universo criado pelo autor com o
que vivemos atualmente às vésperas da Rio + 20. O Brasil poderia estar à frente
em termos mundiais, dando exemplo de como conservar seu patrimônio natural,
crescer economicamente de forma qualitativa, detentor do que deveria ser uma
combinação eficiente: uma das maiores reservas de biodiversidade e de água do planeta,
associadas a uma legislação ambiental primorosa. Contudo fez opção pelo oposto.
A
revisão do Código Florestal deveria ser elaborada sim, atendendo às inovações
tecnológicas e ao aumento do conhecimento científico. Óbvio. Mas não da forma
que foi feita, de forma meramente política para atender um setor privilegiado
econômica e politicamente da sociedade brasileira, com objetivos meramente
econômicos e de curtíssimo prazo. Deveria ter sido feita com base na Ciência,
com “C” maiúsculo, como o foi à época realizado o Código das Águas (1934) e o
Código Florestal (1969), editados por um Ministério da Agricultura à frente de
seu tempo e preocupado com a conservação dos recursos hídricos e naturais
indispensáveis à própria atividade agrícola.
Muitos
já falaram sobre isso. Muitos cientistas do mais alto gabarito deste país.
Desde Aziz Ab’Saber (USP) a J. G. Tundisi (IEE), Luiz A. Martinelli (CENA-USP),
Carlos A. Joly (UNICAMP), Carlo Nobre (INPE), Gerd Sparovek (ESALQ-USP), Jean
P. Metzger (IB-USP), Yara Schaeffer-Novelli (IO-USP), Maria T. F. Piedade
(INPA), Wolfgang J. Junk (INAU – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em
Áreas Úmidas/UFMT), Paulo T. de Sousa Jr. (INAU/UFMT), Catia N. da Cunha
(INAU/UFMT), Ennio Candotti (Museu da Amazonia), P. Girard (INAU/UFMT), L.
Casssati (UNESP) entre vários outros, além de programas de pesquisa
importantíssimos como o Biota FAPESP e o próprio INAU, bem como instituições
que deveriam ser referência como a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e, salienta-se, até a
própria agência governamental das Águas (ANA). De minha parte, humildemente,
também me incluo neste grupo, como doutora em Ciências, pesquisadora da área de
Limnologia (estudo de ambientes aquáticos continentais), Ecotoxicologia
(contaminação ambiental por pesticidas) e Etnoecologia (estudo do conhecimento
das comunidades e povos tradicionais sobre o funcionamento ecológico de seus
ambientes), especificamente na área de ecologia de rios e planícies de inundação
do Pantanal Mato-Grossense há mais de 20 anos.
Pergunta-se:
Para que serve, então, a Ciência? Para que milhões de reais são gastos em
pesquisa, em programas de pós-graduação para a formação de novos cientistas na
área de recursos hídricos e ecologia? O que acontece com um país que renega e
desrespeita a opinião unânime de seus mais importantes cientistas, em pleno
Século XXI e não no obscurantismo medieval ou ditatorial, mas sim, acredita-se,
em plena vigência da democracia? E tudo isso, pasmem, às vésperas da
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), com
o país e o mundo clamando por melhor qualidade de vida e sustentabilidade?
Mais
de dois milhões de assinaturas de brasileiros clamando pelo Veto. Manifestações
veementemente críticas de ONGs de importância nacional e internacional, de
movimentos sociais como a Via Campesina, dos ex-ministros do Meio Ambiente, da
OAB e de tantos outros congregados num movimento histórico denominado Comitê
Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável. Posição
unânime de cientistas renomados. Mas nada disso vale quando não há
sensibilidade política para a causa humanista, base da conservação ambiental,
optando-se por garantir novamente o privilégio de poucos em detrimento de toda
a sociedade e reforçando incoerentemente a pobreza. Como diria Juan M. Alier em
seu “Ecologismo dos Pobres” (1992): apropriação e exploração inconsequentes dos
recursos naturais pelas leis capitalistas de mercado.
Contudo
a liberdade de expressão científica e cidadã foram asseguradas. Todos os
cientistas puderam se manifestar livremente e oficialmente sobre o tema. Já
esta prerrogativa não nos foi autorizada. O que faço aqui pode gerar ainda mais
represálias. Mas entendo que a liberdade de expressão é assegurada
constitucionalmente e na Declaração Universal de Direitos Humanos, e a
liberdade de pensamento e expressão científicos são, além de base filosófica da
Ciência, um direito e um dever profissional. Um dever de todos os gestores e
órgãos públicos como determina o Artigo 225 da Constituição Federal e o Código
de Ética Profissional dos servidores em órgãos da Administração Pública: “VIII
– Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la,
ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da
Administração Pública”.
No
entanto, a empresa na qual trabalho, a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária – EMBRAPA, ligada ao Ministério da Agricultura, ícone da pesquisa
agropecuária de nosso país, proibiu institucionalmente desde out./2010 seus
pesquisadores de se manifestarem oficialmente no que se refere ao Código
Florestal e “outros assuntos polêmicos”, “evitando conflitos com a posição
oficial da instituição”, contrariando, inclusive, o seu próprio Código de
Ética. Este fato foi noticiado na grande imprensa à época quando da realização
de uma Audiência Pública sobre o tema no Senado Federal em fev./2011.
Recentemente (mar./2012), antes mesmo da aprovação do novo Código na Câmara
Federal ou da sanção ou veto da Presidente, fomos informados por meio do
Documento “Embrapa 2012 – Ano Embrapa para uma Agricultura Mais Verde” que a
mesma “reconhece e fortalece as responsabilidades sociais e ambientais” e busca
o fortalecimento da gestão que considera de “vanguarda” por meio “da
implementação de ações sustentáveis, incluindo a obediência ao novo Código
Florestal”.
Isso
renegando e ocultando um parecer técnico de seu próprio corpo de cientistas
“Síntese da Pesquisa Agropecuária na Embrapa e a Proteção Ambiental”
(jul/2009), que obviamente corrobora as opiniões dos demais cientistas da área,
tendo cuidado especial para as pequenas propriedades, a grande maioria das
propriedades rurais do país. Ou seja, a influência política do setor agropecuário
também inibe, pressiona e censura a Ciência, numa empresa pública de pesquisa,
que utilitariamente e docilmente (parafraseando um artigo crítico à instituição
de Araújo e colaboradores, publicado em 2011:http://www.scielo.br/pdf/rap/v45n3/10.pdf) consente e se omite em um
debate crucial para a sustentabilidade da agricultura e, portanto, ambiental do
país.
Tudo isso demonstra quão frágil ainda é a
democracia e as instituições governamentais brasileiras em relação à influência
do capital em se apoderar dos recursos naturais em detrimento do conjunto da
população brasileira, daí o fato notório de estarmos na 7ª posição em termos de
economia mundial e na 84ª em termos de distribuição de renda. Apesar de alguns
avanços, pouco mudamos neste aspecto desde a colonização. Cegueira
irresponsável, social e ambiental, censurando e perseguindo cientistas, em
pleno Século XXI.
Na
verdade não está sendo apenas um embate entre ideias ruralistas e
ambientalistas, mas entre ruralistas e cientistas, mas com exceção desta importante
instituição pública de pesquisa de grande relevância para a produção de
alimentos para o Brasil. Na verdade, trata-se de um debate entre ruralistas e
uma parte significativa da sociedade brasileira, que deveria ser respeitada com
base no Artigo 225 da nossa Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
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