Lições
retiradas do debate sobre o código florestal. Por que até hoje ele gera
polêmicas?
16/1/2013 23:15
Por Marilza de Melo Foucher - de Paris
Por Marilza de Melo Foucher - de Paris
No verde, verde de medo, entre ciladas
E nos cipós ardentes das queimadas,
Enforca-se o uirapuru
Na clave de seu canto
(do poeta paraense Paes Loureiro)
E nos cipós ardentes das queimadas,
Enforca-se o uirapuru
Na clave de seu canto
(do poeta paraense Paes Loureiro)
Breve introdução
Quem já viajou pelas diferentes regiões do Brasil,
pode constatar o quanto o Brasil é diverso e único. Diverso, por ser
multicultural e pela sua biodiversidade, único pelo jeito do ser brasileiro em
qualquer região, um povo alegre, hospitaleiro e o povo mais mestiço do planeta.
O Código Florestal Brasileiro deixa, ainda,
muitas dúvidas a serem consideradas sobre o modelo de desenvolvimento do país.
Durante muitos anos, tive a chance de viajar pelos
vários Brasis que formam a geografia deste país de dimensão continental. Ou
seja, o Brasil da Amazônia, o Brasil Centro-Oeste, O Brasil do Nordeste, o
Brasil do Sudeste, o Brasil do Sul. Durante muitos anos, atuando na cooperação
internacional ao desenvolvimento, encontrei muitos atores locais que lutaram
pela democratização do Brasil e que até hoje travam um combate por outro modelo
de desenvolvimento. Estes atores sociais estão no terreno da ação, estão
presentes nos centros de pesquisas, nas universidades, nas ONGs, nos movimentos
sociais, nas pastorais comprometidas. Foram eles que deram uma cara nova à
chamada sociedade civil brasileira. Eles são testemunhos do Brasil que não deu
certo.
Por isso, eles tentam, ao longo de muitos anos,
alertar aos políticos, aos gestores do poder executivo, para que abandonem a
visão economicista do desenvolvimento e se deem conta da realidade diversa e
complexa que é o Brasil. Isto exige dos governantes um tratamento mais global
desta questão e uma visão mais sistêmica do desenvolvimento.
Foi com estes atores que aprendi a conhecer melhor
o Brasil (que eu deixei na minha tenra idade) e, até hoje, eles alimentam minha
sede de aprendizado. Graças a eles, mesmo vivendo na França, mantenho-me
atualizada sobre a situação sócio-econômica, política, cultural e ambiental do
Brasil.
Hoje, considero-me uma cidadã franco-brasileira sem
fronteiras. Viajo, via internet, sem precisar de passaporte. Guardo, todavia,
dentre de mim, a identidade tropical de cabocla amazônica, nascida à beira do
Rio Acre. Daí meu combate incessante pela defesa de um desenvolvimento
territorial integrado que seja compatível com a diversidade ecológica,
cultural, onde o econômico não seja o único fator predominante, tendo em vista
que a economia deve estar a serviço do ser humano e do progresso social. Sem a
prática de desenvolvimento territorial integrado e solidário, o código
florestal brasileiro é inaplicável.
Antes de legislar
sobre o Código Florestal, os parlamentares brasileiros e o
governo da presidente Dilma Rousseff deveria ter ocupado mais tempo para
aprofundar e repensar um novo modo de desenvolvimento e o ordenamento
territorial do Brasil. A discussão poderia ter tido um envolvimento maior da
sociedade brasileira. A grande questão que nossos governantes deveriam ter
abordado antes de legislar sobre o código florestal seria: Somos nós capazes de
organizar, a tempo e de modo participativo, a mutação para um novo modo de
vida? Ou vamos passivamente assistir à destruição silenciosa da grande riqueza
do Brasil, que é a sua biodiversidade? Este é o maior desafio a ser enfrentado
pelo atual governo, diante da crise planetária econômico-ambiental.
Em síntese, cabe ao Estado brasileiro, republicano
e democrático, instaurar uma governabilidade que esteja a serviço do
desenvolvimento economicamente eficiente, socialmente equitativo e
ecologicamente sustentável. Este tipo de desenvolvimento se funda na busca pela
integração e coerência das políticas setoriais. Melhorar por exemplo, a
legislação do código florestal, ultrapassa o jogo político partidário, tendo em
vista que está em jogo a proteção da biodiversidade brasileira, associada a um
novo modo de progresso.
O Brasil não pode ter um código florestal, ditado
por uma concepção produtivista, que hoje se encontra ultrapassada, questionada
no mundo inteiro, dado aos grandes danos que causou ao planeta Terra. O Brasil
é, hoje, respeitado e considerado como grande potência por esta razão. Não pode
perder a oportunidade, neste momento de crise do modelo neoliberal, de traçar
os seus próprios caminhos. A ocasião é propicia para transformar a crise em
oportunidade. Torna-se urgente que o governo federal, articulado com os
governos estaduais e municipais, decida sobre um grande projeto de sociedade,
um projeto de civilização, distinto do modelo produtivista baseado
exclusivamente no crescimento econômico. Sua incompatibilidade com a
preservação dos recursos naturais é, hoje, comprovada. Por que então persistir
no erro?
Não negamos os esforços do governo brasileiro na
tentativa de diminuir o desmatamento das florestas, entretanto, ainda há muito
que se fazer na aplicação da legislação existente, embora permaneça o
sentimento de que as conquistas no campo da preservação dos ecossistemas e da
regulamentação do uso da floresta nem sempre são realizadas. O Brasil, enquanto
signatário da convenção sobre a diversidade biológica de 1992, deve conciliar
preservação ambiental com desenvolvimento. Não podemos nos esquecer dos
herdeiros de Ajuri Caba, líder indígena na resistência aos portugueses, e dos
Cabanos. As populações indígenas são os maiores defensores das riquezas
naturais da Amazônia, de sua biodiversidade e da preservação de suas
fronteiras. Afinal, os índios continuam sendo os guardiões naturais desse
espaço de esperança!
Temos que levar em conta a riqueza da biodiversidade
presente nas diferentes regiões brasileiras. Em cada região, existem
ecossistemas naturais com alta diversidade de espécies vegetais e animais. Os
debates sobre a reforma do código florestal, não fez mais do que acentuar as
divergências com a sociedade civil e suas correntes representativas. O que se
assistiu, até hoje, foram polêmicas intermináveis. De um lado, as discussões
entre os representantes da corrente hegemônica, formada pelos defensores do
agronegócio, pela direita ruralista que sempre defendeu o desenvolvimento
produtivista e, de outro, os ambientalistas fundamentalistas, que não integram
a dimensão global do desenvolvimento e por vezes são ultra-sectários. O campo
ambientalista é diverso e existe no Brasil uma maioria que defende a ecologia
política, a proteção do meio ambiente associado à concepção não compartimentada
do desenvolvimento, ou seja, todos os setores se interagem na busca pela
sustentabilidade, que não somente a econômica.
Viu-se, também, o posicionamento de alguns
cientistas que tentaram abrir um espaço de reflexão. Muitos dizem, com toda
razão, que esta discussão deveria ter sido mais pluridisciplinar. Logicamente,
não se pode exigir que todo parlamentar detenha um super conhecimento, e
legisle sobre qualquer sujeito. Por esta razão, antes de legislar, os políticos
devem escutar os principais atores implicados e solicitar assessoramento de
cientistas de várias áreas do conhecimentos. O Brasil sempre teve a reputação
de ser um país que possui excelentes quadros de pesquisadores, basta para isto
verificar os acordos internacionais existentes com universidades brasileiras e
com os centros de pesquisas. Temos grandes especialistas em todas as áreas do
conhecimento que poderiam ter fornecido subsídios científicos e tecnológicos, capazes
de permitir o embasamento necessário para que o código florestal se adapte à
nova realidade brasileira.
O Brasil tem a chance de dispor sobre uma
intelectualidade engajada não somente no campo acadêmico e nos centros de
pesquisas, parte dela está comprometida no campo da ação política
transformadora. Além disso, eles asseguram uma produção cientifica permanente.
A complexidade da elaboração de um novo código
florestal, além do rigor cientifico, exigiria um tempo maior de escuta, de
intercâmbios de informações. A soma de saberes e sua socialização junto aos
deputados e senadores poderiam ter contribuído para que o debate fosse além da
modificação do Código Florestal. Ou seja, um debate prolongado, mesmo se 11
meses de audiências públicas fossem considerados suficientes para muitos.
Entretanto, se levamos em conta as polêmicas geradas até hoje, é porque,
talvez, muitas questões fundamentais não foram abordadas preliminarmente.
Entre elas, a necessidade de formular uma
estratégia de planejamento para um melhor ordenamento territorial, atada a uma
concepção mais integrada do desenvolvimento territorial brasileiro. Um modo de
intervir compatível com a diversidade ecológica e cultural, onde o econômico
não seja somente o único fator predominante, tendo em vista que a economia deve
estar a serviço do ser humano e do progresso social. Esta seria a condição sine
quoi non para modificar, em seguida, o código florestal, adaptando-o a uma nova
realidade.
Marilza de Melo Foucher é doutora em Economia,
especializada em desenvolvimento territorial integral e solidário, jornalista e
correspondente do Correio do Brasil, em Paris.
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